quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Dudzicopa 12 - Pra quê Polônia?

O décimo primeiro dia de Copa do Mundo me fez pensar no que é o esporte e porque nos envolvemos com ele. 

Tenho convicção de que o esporte não é feito para times como a seleção polonesa de futebol e estou certo de que ninguém se envolveria e se interessaria pela modalidade se todos adotassem a postura do time dirigido por Czeslaw Michniewicz. 





Diante da Argentina os poloneses fizeram uma demonstração ímpar de antidesportividade.
No maior evento esportivo do planeta, com outras equipes dependendo de seu jogo, com seus principais jogadores em campo, com todos os 11 em condições físicas e técnicas, os poloneses decidiram não jogar. 

Não estou falando de "se defender com muita gente", "recuar as linhas" ou "ser inteligente para jogar no erro do adversário". Estou falando de um time que não quis jogar o jogo. De novo: a Polônia não quis jogar o jogo. Ela desistiu de jogar. Estava perdendo e decidiu que não tentaria mais ganhar. Foi isso o que aconteceu.

Por isso considero antidesportivo o que aconteceu. Porque para existir esse esporte é preciso que haja disputa. Que haja participantes interessados em vencer. Isso não aconteceu hoje. A Polônia perdendo por 2 a 0 decidiu aceitar. Decidiu deixar a bola com o adversário e esperar o tempo passar. Não tentou ganhar. Sequer esboçou reação. Aceitou que seria derrotada. É permitido? Sem dúvida. Mas está em consonância com o que se espera da prática esportiva? De nenhuma forma. Mesmo que a classificação estivesse ao alcance ao fazer isso. 

"Ah, mas isso é irrelevante, o importante é ganhar". Eu não acho. Ganhar é algo ínfimo perto da magnitude do esporte. 

Nesse sentido, compartilho com vocês algo que me fez organizar melhor os pensamentos sobre o tema. São trechos do livro Homo Ludens, do historiador e linguista holandês Johann Huizinga. Nele o autor se propõe a traçar uma história da humanidade mediante o aspecto lúdico.

Huizinga sustenta que seria impossível a existência da civilização sem elementos lúdicos, uma vez que esses carregam simbolismos que permitem aos seres humanos saírem da lógica apenas da sobrevivência. Nessa abordagem, quase tudo que não é sobrevivência acaba caindo no lúdico, uma vez que extrapola o domínio da necessidade. Assim, Huizinga trata em cada capítulo conceitos de Jogo (atividade que existe apenas com a ludicidade da relação entre pessoas)  na política, justiça, poesia, relacionamentos etc,  


Diz ele sobre o jogo: 

"Enumeremos uma vez mais as características que consideramos próprias do jogo. É uma atividade que se processa dentro de certos limites temporais e espaciais, segundo uma determinada ordem e um dado número de regras livremente aceitas, e fora da esfera da necessidade ou da utilidade material. O ambiente em que ele se desenrola é de arrebatamento e entusiasmo, e torna--se sagrado ou festivo de acordo com a circunstância. A ação acompanhada por um sentimento de exaltação e tensão, e seguida por um estado de alegria e de distensão."

Ainda sobre o jogo, Huizinga diz que: 

"A vida social reveste-se de formas supra biológicas, que lhe conferem uma dignidade superior sob a forma de jogo, e é através deste último que a sociedade exprime sua interpretação da vida e do mundo. Não queremos com isso dizer que o jogo se transforma em cultura, e sim que em suas fases mais primitivas a cultura possui um caráter lúdico, que ela se processa segundo as formas e o ambiente do jogo"
O esporte é desnecessário e por isso pode ser grandioso! Simbólico, construtor de novas realidades, dignificante, ideológico, reflexivo, filosófico... Nessa noção, o que a Polônia fez é inadmissível para mim. E olha que sou neto de um polonês! 

Para mim é também inadmissível porque o time não é ruim em valores individuais. É só que o treinador não quer jogar. Quer ir se agarrando em contas, números e avanços que na verdade significam muito pouco dentro do que poderia ser a experiência de uma Copa do Mundo para um povo, para os amantes do esporte e para as pessoas em geral. 

Mas enfim. Eu sou meio estranho mesmo.
Meio bobo.
Sonhador.

Está lá a Polônia. Nas oitavas de final!

Eu só pergunto... Pra quê? 

terça-feira, 29 de novembro de 2022

Dudzicopa 11 - Qual o lugar da cultura futebolística de um país na Copa?

O décimo dia de Copa do Mundo me fez pensar em culturas futebolísticas e como elas se manifestam ou deixam de se manifestar no Mundial. De antemão já digo que não vou conseguir abarcar a complexidade do tema (tenho impressão que toda a hora eu falo isso, mas c'est la vie). No entanto, quero oferecer tostões de reflexão. 

Não estou falando de "japoneses rápidos e organizados", "de africanos irresponsáveis", da "frieza nórdica" ou de outros estereótipos que têm um ou os dois pés no preconceito. Estou falando de modelo de jogo, características das equipes e que tipo de jogador é eleito ou deixa de ser para disputar o Mundial. 

Esse tema está sempre presente para mim quando se discute a seleção do Tite. O time é excelente, o coletivo é esplêndido e os jogadores extremamente técnicos, mas não dá para deixar de notar que a predileção pelo ataque posicional é uma ruptura com o Joga Bonito da história da seleção brasileira. Jogadores distantes, que esperam a bola no pé... Pontas abertos, segurando a linha lateral... Poucas aproximações e muitas inversões... Funciona, mas não tem nada a ver com os títulos e 82. Deveria ter? Não sei. Talvez... É a cultura de um país refletida num jogo. Ao mesmo tempo tem gente que vai dizer que o mais importante é vencer e tudo bem também. E outros que vão apontar que no mundo globalizado todo mundo joga como quiser ou até igual a todo mundo. Todos pontos válidos. Mas quero discutir um pouco isso falando sobre os times que jogaram nesta terça-feira. 

A Holanda que se classifica em primeiro no grupo A me parece que tem pouco da escola holandesa. Sim, alguns aspectos mais posicionais estão por lá, mas os encaixes de marcação, a linha de cinco muito rígida, o recuo excessivo, a ausência de pontas e a característica dos atletas são muito diferentes da Laranja Mecânica ou mesmo de times mais recentes, como os de 88, 94 e 98. Deveria ser diferente? Não sei. Eu gostaria que fosse... Poderia ser até um Ajax 95, dirigido pelo próprio Van Gaal... 


Do outro lado a seleção do Catar teve que criar um jeito de jogar pra não fazer tão feio na Copa. Até acho que o vexame não foi tão grande, haja vista de onde partiu e onde está a seleção nacional, forjada pela Academia Aspire e seus muito espanhóis. Talvez daqui uns 16 anos a imprensa do Catar (se tiver liberdade para isso) pergunte se os cataris deveriam romper com a tradição ou abraçar o estilo de jogo consagrado por Félix Sánchez... 

No caso de Senegal há um retorno com Aliou Cissé como comandante. Depois de anos com europeus tentando a rigidez, as seleções africanas foram ao Catar com comandantes do próprio continente e, me parece, um certo entendimento da necessidade de haver casamento entre ordem e liberdade, haja visto todo o talento que têm. A escola senegalesa é essa? 

E a equatoriana, qual é? Acho que é a sul-americana, do drible, engano e encanto, mas a quantidade de jogadores formados no Independiente del Valle e as raízes espanholas do modelo de jogo do clube fazem a gente pensar para onde vai e qual o modelo a ser seguido doravante. 

E as seleções do grupo B? País de Gales parece meio imune à globalização no que se refere à seleção. Acho que tem muito a ver com os atletas que atuam na Championship e em times menores da Premier League. Nenhum problema quanto a isso. Inclusive acho que se fosse melhor no kick and rush 4-4-2 e colocasse dois grandões na frente, talvez tivesse mais chances. 

E isso me leva aos ingleses. Há tanto talento local nesse momento que a escola inglesa está sendo transformada.  Já não é mais o caso de 4-4-2 com double six (Gerrard e Lampard, Scholes e Butt, Barnes, Ince e outros), um centroavante e um segundo atacante. Agora é a Inglaterra do controle, dos pontas agudos e dos zagueiros que jogam. Está errado ir por aí? Deveriam manter o estilo inglês? Acho que não, desde que eles sejam capazes ou acreditem serem capazes de um dia superar espanhóis e brasileiros nesse tipo de jogo que querem. Ou talvez pudessem pensar em um jogo mais vertical à la Premier League...

Do Irã me falta conhecimento para falar, mas me parece que a escola Queiroz pode ser o futuro da equipe nacional. O português foi treinador em 3 das 6 Copas disputadas pelo Team Meli e me parece que com mais tempo neste ciclo poderia ter levado o time ao mata-mata.

E pra fechar, falo dos Estados Unidos. Qual é a escola de futebol dos Estados Unidos? E qual era? Era a cópia inglesa? Uma coisa à mexicana e Caribe? Eu não sei. Mas já falei aqui que talvez o futuro seja o modelo Red Bull, personificado em Tyler Adams, que faz grande Copa do Mundo. O jovem de 23 anos passou por New York Red Bulls, Red Bull Leipzig e Leeds United, onde é treinado por Jesse Marsch, que treinou times da empresa e que tem tudo para assumir o Team America para 2026. Jogadores rápidos, pressionando o espaço e imprimindo velocidade. Acho que se adapta bem a esse grupo. Talvez se adapte bem à paixão americana pelos outros esportes. Um futebol NBA, de transições rápidas e DE-FEN-CE, DE-FEN-CE! Será?

Já estou falando muita bobagem. Até amanhã! 

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Dudzicopa 10 - Um jogo de momentos e diferenças no placar

O nono dia da Copa do Mundo do Catar me fez pensar em quantos minutos ofensivos de qualidade um time precisa para ganhar um jogo. Porque me parece que Camarões e Gana precisaram de pouquíssimos trechos das respectivas partidas para saírem com grandes resultados, enquanto Suíça e Uruguai vão lamentar não terem aproveitado melhor os períodos em que chegaram perto do gol rival. 


Vou recorrer ao site Sofascore para me ajudar na visualização disso que estou falando. Começo com Camarões e Sérvia: 


O Sofascore se utiliza de métricas combinadas para criar um algoritmo capaz de mostrar os momentos de pressão de um time em cima do outro durante o jogo. As barrinhas verdes são momentos ofensivos de Camarões e as azuis da Sérvia nessa imagem. Me parece que nesse caso o jogo está muito bem traduzido. Um começo forte dos sérvios, domínio dividido, o gol de Castelletto e, no finzinho, dois gols sérvios meio do nada. No segundo tempo o domínio da Sérvia deveria significar a vitória por 3 a 1 ou mais, mas Camarões em dois lances empatou e depois ninguém foi tão melhor assim. Em suma... Em 97 minutos (mais ou menos), Camarões precisou de quê? Quinze minutos bons (ofensivamente) para sair com a mesma pontuação da Sérvia? 

O duelo entre Gana e Coreia do Sul também seguiu por aí:


 
Começo dos sul-coreanos com boas jogadas, envolvendo e ficando perto de abrir o placar, até que Gana encontra um gol de bola parada e leva o jogo para o campo do time asiático, fazendo o segundo gol pouco depois. No segundo tempo, pressão dos sul-coreanos que resulta em dois gols e o empate, um lance ganense e 3 a 2 no placar e um final de pressão e muitos e muitos cruzamentos da Coreia do Sul (46) sem chegar ao empate. Em 111 minutos, Gana foi superior (ofensivamente) por 20. 


Nos outros dois jogos me parece que os melhores times venceram de maneira justa, mas creio que vale pontuar alguns momentos que poderiam - a exemplo dos duelos dos africanos de hoje - terem determinado outros resultados nesta partida. 


No jogo do Brasil esses dois períodos ali no segundo tempo (barras azuis) eram os que a Suíça havia esperado o jogo todo, mas as finalizações não foram boas. 

Nessa conta meio improvisada e subjetiva eu diria que o Brasil foi melhor (ofensivamente) em 90 dos 96 minutos disputados. 

Já no caso de Uruguai e Portugal a coisa foi diferente. Considero que Portugal foi a melhor equipe, mas os minutos que se seguiram ao gol de Bruno Fernandes foram todos do Uruguai (barrinhas azuis). Faltou uma pontaria um pouquinho melhor para mudar os rumos do jogo! 


Na minha estatística subjetiva, seriam uns 65 minutos de superioridade portuguesa e uns 45 uruguaia nos 111 minutos jogados. 

Não busco afirmar nem provar nada com tudo isso. Quero apenas refletir sobre aquela pergunta que deixei: quantos minutos bons um time precisa em um jogo para ganhar? 

Às vezes dez minutos bastam (Camarões). Às vezes você precisa de 90 (Brasil). Outras os seus 45 (Uruguai) só vêm por causa da necessidade de responder aos 65 do adversário (Portugal), enquanto em outras 25 bons viram 20 bons do adversário porque você se abalou no jogo (Coreia). 

No fundo me parece que a ideia é: quem joga melhor por mais tempo tem mais chances de se impor ao adversário, seja com posse, transições ou bola parada. Quem se impõe em relação ao adversário por mais tempo tem mais chances de transformar superioridade em gols.

No entanto não dá pra fugir do fato de que isso não é uma regra e que cinco minutos fulminantes podem decidir uma Copa. Mesmo que isso pareça injusto, essa é a natureza do jogo... O desafio é balancear ponderações, avaliações e observações com o puro e simples resultadismo. 


Minha seleção da 2ª rodada da fase de grupos 

🇵🇱 Szczesny
🇷🇸 Zivkovic 🇦🇺 Souttar 🇨🇭Akanji 🇫🇷T Hernández
🇸🇦 Kanno
🇬🇭 Kudus 🇩🇪 Musiala 🇫🇷 Griezmann 🇵🇹 B. Fernandes 🇫🇷 Mbappé



domingo, 27 de novembro de 2022

Dudzicopa 09 - O futebol dos camisas 9

O oitavo dia da Copa do Mundo me lembrou o papel dos centroavantes no futebol de alto nível.

Espanha e Alemanha fizeram um grande jogo de futebol. Um duelo digno de Copa do Mundo. Mas também um duelo de duas campeãs mundiais que foram a campo sem centroavantes! Ou pelo menos sem centroavantes típicos. Asensio repetiu o papel de 9 de mobilidade da estreia pela Fúria, enquanto Thomas Müller foi o nove de falsa mobilidade pelo lado alemão. 

Os espanhóis, fiéis à sua ideia de mover o adversário por meio da posse de bola, foram mais bem sucedidos no primeiro tempo. Faltava, no entanto, aproveitar a profundidade criada por esses passes e movimentações dos demais jogadores. Olmo estava conseguindo, mas não o bastante em zonas perigosas, enquanto Asensio e Ferrán Torres estavam deixando Luis Enrique na mão. Aos 9 do segundo tempo Morata entrou para jogar de centroavante. Aos 15 a bola de Busquets chegou a Olmo, que rapidamente serviu Alba, que cruzou na linha da pequena área para Morata. A flecha na hora certa, o alvo atingido! Nem foi tanto a capacidade de finalizar e sim de ter o timing certo da corrida. Isso também importa muito em um centroavante.

Do outro lado Flick insistiu mais um pouco com Müller. Não sei se a ideia era ele recuar para servir Musiala e Gnabry em profundidade quando a Alemanha tivesse transições ou se ele queria que Müller sustentasse e escorasse a bola na frente. Talvez fosse tão somente o Raumdeuter de outrora o procurado por Flick, mas esse acho que já ficou há muito no passado... Quando entrou Fülkrig as coisas começaram a acontecer. 




O grandalhão começou a dar trabalho para Busquets, Laporte e Rodri por meio de suas disputas aéreas e na área. Isso, me parece, empurrou mais para trás a Espanha, que já estava mais cautelosa com as arrancadas de Sané. Aos 35 Fülkrig recebeu e chutou na mão de Busquets no que aqui no Brasil seria pênalti e aos 37 Fülkrig correu na hora certa para receber de Musiala e estufar as redes. 

Fico pensando aqui em Klinsmann, Bierhoff, Klose, Gómez e até em Jancker e em como Fülkrig tende a ajudar mais esse time do que os técnicos Havertz, Müller e Moukouko nesse momento.

Vi algo parecido com esses grandões no En-Nesyri do Marrocos. Confesso que conheço menos do que gostaria sobre esse jogador, mas me chamou a atenção as vezes em que ele recebeu de costas para o gol e deu sequência nas jogadas. Às vezes é disso que um time precisa: gira a bola, sustenta, passa, espera a equipe avançar... 

Bom.. Há muito tempo eu tenho um fraco por centroavantões. Eu adoro Romelu Lukaku porque ele é muito técnico, muito rápido e muito alto e forte. O problema é que sem ele em forma a Bélgica recorre a Batshuayi. E olha que eu até gosto do Batsman... Desde a época em que ele era reserva do Gignac no Marseille do Bielsa! A questão é que ele em si está muito longe de Romelu... A frustração de De Bruyne com ele chama a atenção. Assim como chama a atenção que Batshuayi até tem a ruptura em profundidade, mas não o timing, nem a técnica apurada e nem o feeling para o mais alto nível. Não sei se a Bélgica iria melhor com outro ali, mas sei que um time tão moroso e distante precisaria de um centroavante bom para dar dinâmica ao jogo. 

Me parece que foi um pouco isso que Takuma Asano deu ao Japão nos dois jogos em que ele entrou. Nem tanto presença de área, pois sequer ele é nove, mas sim a bagunça na área. Vem pra cá, faz a tabela, recebe e chuta. Kramaric também fez isso pela Croácia, mas aí se mexendo bastante e tendo espaço, pois os canadenses jogam e deixam jogar. 


Dinâmica, timing, parede, profundidade, empurrar o adversário para trás, pivô... Uma série de contribuições que os centroavantes podem dar para além dos gols. 



sábado, 26 de novembro de 2022

Dudzicopa 08 - Confiança e desconfiança

O sétimo dia da Copa do Mundo me lembrou o quanto o psicológico pesa nos jogos de futebol, mesmo no mais alto nível! Não falo aqui das generalidades e simplismos como "garra", "vontade" e "amor à camisa", mas de coisas mais visíveis aos olhos. Embora não saibamos exatamente como cada jogador, treinador e equipe sentem, reagem e emocionam, é possível intuir algumas circunstâncias e ponderar o peso delas nas atuações e desempenhos.




Por exemplo... Não há como não ponderar a questão psicológica no desempenho da Argentina diante do México. Uma derrota eliminaria a Albiceleste e me pareceu nítido que os jogadores estavam com muito medo de tomar um gol e ter que buscar o resultado. Digo isso porque para mim foi flagrante a desconexão nos passes, os erros técnicos e as chegadas duras em todos os lances. Logo essa Argentina tão técnica e que conversa com jogadores próximos?  Para mim, daqui de casa pela televisão, parecia que cada atleta tinha uma tonelada nas costas. No segundo tempo, no entanto, eles foram se enchendo de coragem e Messi foi aparecendo cada vez mais no jogo. O lance do gol tem muito dele, mas um bocado do jovem Enzo Fernández... Corajoso, ele dá o passe para Messi e reconhece o espaço que precisa ser ocupado para que o craque do time tenha uma chance mais à frente. Deixo aqui esse vídeo do Maurício Saldaña 


Para mim pareceu muito nítida a maior fluidez com que o jogo argentino aconteceu após esse gol. O próprio Messi, leio aqui, disse o seguinte após a partida: 

"Cuando nos calmamos, empezamos a jugar a la pelota y volvimos a ser lo que somos". El fútbol es contexto. No siempre se puede jugar bien. Ojalá que esto sea un desbloqueo emocional, el refuerzo de la confianza y que Argentina juegue como sabe.


Não foi algo brilhante, mas certamente muito mais leve e dinâmico. Como explicar senão pelo psicológico? E como explicar que um psicológico de 36 jogos de invencibilidade seja detonado dessa forma por uma derrota para a Arábia Saudita? Aí deixo para outros experts de sofá! 

Falando na Arábia Saudita... Como estavam confiantes os jogadores de Hervé Renard diante da Polônia! Cada passe tinha uma intenção e ela era/para frente! Cada pressão no adversário mostrava extrema convicção no modelo de jogo. Pudera! Depois de ganhar da Argentina quem é que não estaria confiante?! Faltou um pouquinho mais de capricho técnico para ganhar. A Polônia teve porque tem jogadores melhores e eles apareceram pela primeira vez em mais de 4 anos. Sim, porque na Rússia não estiveram também... Zielinski, Lewandowski e principalmente Szczesny garantiram uma injusta vitória polonesa. A ver como fica a confiança de Lewandowski depois do primeiro gol em Copas e os ânimos dos sauditas depois de verem tantas boas jogadas e ímpeto se transformarem em nada... 

É um caso diferente dos australianos, que de ímpeto renovado dominaram o primeiro tempo contra a Tunísia por meio de intensidade, combatividade e velocidade. Além disso ainda  marcaram um bonito gol com Duke, que mesmo sendo um grandalhão australiano de pouca expressão no jogo, conseguiu um toco y me voy lindíssimo. Daí pra frente os Socceroos precisavam mostrar confiança para não repetir os erros vividos contra a França, quando saíram na frente e tomaram a virada em um segundo tempo muito tímido. Não dá pra falar em grande desempenho australiano nos 45 finais contra a Tunísia, mas a combatividade, coragem, entrega e confiança para se jogar na frente da bola e marcar duro perto do próprio gol estiveram lá.

Sobre confiança, mas principalmente medo, penso também no jogo Dinamarca e França. Desde o princípio ficou muito estabelecido que Mbappé e Rasmus Kristensen seriam os protagonistas do dia. Sim, porque Mbappé não marcava Kristensen e Kristensen sempre estava muito longe de Mbappé quando a França roubava a bola. Em algum momento foi doloroso ver o lateral do Leeds United completamente livre esperando a bola e tanto companheiros quanto adversários mostrando a total falta de confiança nele. Hojbjerg e turma não passavam para ele e Rabiot e Theo Hernández queriam mais é que ele recebesse a bola para que pudessem desarmá-lo e lançar Mbappé para cima de Andersen. 

O futebol é psicológico desse jeito também... Você confia mais que você vai desequilibrar com espaço ou teme que o adversário nas suas costas desequilibre? A resposta nós tivemos. Kristensen não foi o único culpado, mas claramente aproveitou menos do que poderia o espaço que teve, além de ter sido punido tanto quanto se esperaria por um Mbappé confiante e ciente do risco que causa ao adversário o tempo todo. 


sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Dudzicopa 07 - Intensidade para bagunçar

O sexto dia da Copa do Mundo no Catar me deixou pensando em intensidade, velocidade e dinâmica. Lendo isso até parece que pulei daquela aula de geometria para uma de física... Mas na verdade estava pensando em como foram chatas e previsíveis as seleções de Holanda e Inglaterra nos duelos de hoje contra Equador e Estados Unidos. 

Vou começar falando dos norte-americanos porque é o que está mais fresco na minha mente. Diante dos ingleses, vimos desde o princípio uma equipe muito rápida para pressionar o English Team. Começou pela escalação de Greg Berhalter com Weah mais centralizado ao lado de Wright e o posicionamento bem mais estreito de Pulisic e Mckenie (até por ser um volante/meia central).  Essa estrutura de 4-4-2 estreito é muito similar à dos times da Red Bull, que tem na pressão ao adversário a principal característica de seu futebol. Aliás, o grande nome dos Estados Unidos para mim foi Tyler Adams que joga da mesma maneira no Leeds United do COMPANY MAN Jesse Marsch, cotado para ser o futuro treinador do Team America. 

Digo tudo isso porque toda a ideia dos Estados Unidos me parece ter partido da vontade de pressionar bem e por muito tempo um time que teve muitas facilidades contra o Irã na estreia, principalmente por abrir o campo e voltar com muita tranquilidade para a faixa central, onde encontrou Bellingham, Kane e quem quer que estivesse por ali. Hoje não. 


Weah e Wright fecharam o corredor central para os zagueiros e Rice, enquanto laterais e meias abertos foram rápidos para fechar o meio e impedir que Shaw e Trippier conseguissem qualquer coisa além de ficarem presos no canto do campo. O que por ventura passasse por ali, fosse recuo de Kane ou infiltração de Bellingham ou tentativa de Mount, era rapidamente anulado pelas pressões coordenadas de Adams e Musah (que também fez grande partida). 


Essa é a parte mais tática da coisa. A "caixa" no meio de campo para aprisionar o English Team, como mostra o vídeo abaixo do Modern Football Analyst


Mas há uma outra parte que não está nos livros e nem nesse vídeo: a intensidade para apertar, roubar e sair jogando. Esse foi o diferencial para mim no jogo dos Estados Unidos. A Inglaterra lenta, imóvel, previsível podia ter as melhores ideias (não tinha) que sem a intensidade necessária dificilmente bateria o Team America. 

E o que raios é intensidade? Virou palavra da moda na bola e nem todo mundo tem uma definição exata. Não é apenas velocidade. Nem é apenas força.. Na física intensidade é fluxo de energia por tempo. Me parece que é uma boa definição para a gente trazer para o futebol, mas aí precisaria tentar dizer o que é energia... 

Eu ouvi recentemente alguém dizer, acho que foi o Jonatan Wilson, que intensidade no futebol é "ações por unidade de tempo". Acho que cabe bem. Porque não é só correr de um lado pro outro. É fazer algo com a correria... Um desarme, um corte, uma arrancada, um pulo para tentar de cabeça, um passe rápido, um chute com força... Pensando nisso acredito que também há intensidade com a bola. E isso faltou pros ingleses... Aí vem outra questão... Faltou por quê? Por quê faltou? 

Acho que tem a ver com o adversário querendo mais e uma certa falta de ideia de como sair dessa pressão. Porém, olhando pro jogo da Holanda, às vezes parece que a excessiva rigidez posicional quebra as possibilidades de os times serem intensos. 

Claro que a Espanha está aí para nos desmentir, mas em geral times que são muito posicionais tendem a ser travados quando não tem os melhores intérpretes. Me parece o caso da Holanda. Sem pontas como nos áureos tempos do Ajax, Van Gaal outra vez optou pelos 3 zagueiros, a exemplo do que havia feito no Brasil... Acontece que agora não tem nem um Van Persie para receber na frente, nem um Robben para driblar todo mundo ou mesmo um Sneijder mambembe para armar... Agora é Frenkie De Jong aqui atrás e Gakpo na frente. De resto, muitos passes laterais e pouca "magia" para tentar algo distinto. Não tem drible, não tem mudança de ritmo, parede, tabela... Ficam trocando passes e avançando, mas na hora que precisa de um algo mais para desequilibrar, a turma sofre. Por isso só dois chutes a gol contra o Equador e só 3 certos contra Senegal. Ainda assim a Holanda está fazendo 3 gols com um xG de 0,99 segundo o Wyscout!

Contra essa previsibilidade toda o Equador veloz e intenso marcou bem e - tirando a finalização de Gakpo em erro de Caicedo - foi o senhor do jogo. Tanto sem a bola, quanto com a bola, quando foi capaz de representar bons momentos da escola sul-americana, com aproximações, paredes, gambetas e velocidade. Os Alfaro Boys estão em alta! Tomara que se classifiquem, pois precisamos de mais times intensos, imprevisíveis e que tentem nos entreter! 


quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Dudzicopa 06 - O tamanho do craque

O quinto dia da Copa do Catar me fez pensar nos craques. Nos jogadores referência das seleções nacionais... Qual o tamanho eles têm nos seus países e qual deveriam ter?

A Suíça já chegou a ser a equipe de Shaqiri. Mas isso era quando ele estava no Bayern de Munique e em boa fase. Hoje, quando o ocaso bate à porta do ponta diminuto, os suíços têm seus destaques como Xhaka, Freuler, Sommer, Akanji e o próprio Embolo, mas nenhum deles mereceria ter o time montado em função deles. 

Em Camarões hoje há alguns bons jogadores no futebol europeu. Eu, do alto da minha ignorância e achismo, penso que o time que já foi de Roger Millar e Eto'o, hoje deveria ser montado em função de Zambo Anguissa. O meia do Napoli, porém, me parece que tem menos protagonismo do que deveria nesse time. São poucas chegadas à frente, é muita construção atrás... 

Os uruguaios que já foram de Forlán em 2010 e eram de Cavani e Suárez em 14 e 18, hoje parecem meio perdidos entre os dois mundos. O potencial da equipe está em Bentancur, Valverde, De Arrascaeta, Ugarte e outros meiocampistas, mas a equipe segue com Godín e Cáceres trazendo o time para trás,  enquanto tenta encaixar Darwin com os dois mais experientes. É difícil tirar do trono quem ostenta a coroa há tanto tempo, mas isso faz com que a Celeste atualmente pareça menos intensa do que deveria e mais lenta do que gostaria. 

No caso da Coreia do Sul, Heung Min Son é a grande estrela da companhia, mas nas vezes em que vi os Bento Boys tive a impressão de que ele é mais coletivo do que deveria. Pior... Como a Coreia tem posse de bola em muitos momentos, o craque do time fica preso na marcação e não pode usar as transições em alta velocidade que fizeram dele quem ele é... Talvez fosse o caso de montar um time com ele de segundo atacante, livre para buscar os espaços no campo. 

E o que falar de Portugal com Cristiano Ronaldo? De alguma forma ele tem que estar por lá! E lá esteve na vitória contra Gana. Ninguém nega o potencial de finalização do homem mesmo aos 37 anos, mas o que seria desse time com mais apoios e movimentação na frente? O mais irônico é lembrar que Portugal passou décadas buscando um centroavante (alôu Pauleta) e agora que tem um dos melhores finalizadores da história do futebol, este tonto está a falar sobre dinâmica ofensiva para Bernardo, Bruno, Leão e Félix... 




Já em Gana eu lembro com carinho do meio de campo de Essien, Appiah e Muntari! Não havia um craque líder de uma geração, mas um setor do campo muito bem estruturado com atletas do futebol italiano.  Hoje vi um time preso entre estrutura e jogadores. Tem bons atacantes, mas segura o adversário antes de tentar algo porque senão não compete... 

Foi mais ou menos o que fez a Sérvia. Talvez em um futuro breve digamos que é o time do Vlahovic, um futuro craque. Hoje, contra o Brasil, no entanto, foi a equipe do marca forte e não dos talentos ofensivos que poderia ser. Ainda aguardo o Sergei Milenkovic-Savic aparecer para capitanear o time. Não aconteceu em 18 e nem hoje. 

Por fim o Brasil do Neymar me causa reflexões... De um lado é muito bom ver a seleção sem depender tanto do seu camisa 10. Mas de outro, a falta de protagonismo de Neymar significa que ele é a mais técnica engrenagem de um time e não o cara que faz o impossível acontecer. O tema me faz refletir porque normalmente sou do coletivo, mas confesso que ando meio romântico da bola e ver um Messi e um Neymar fazendo o impossível também me atrai... Nesse momento, porém, o Brasil que já foi de Bebeto e Romário, dos 3 erres e do Quadrado Mágico parece caminhar para ser o Brasil dos pontinhas! 

E olha que já fomos o Brasil do Zagalo por dentro, Rivelino falso ponta, Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico e dos alas Cafu e Roberto Carlos hein?! 

Termino aqui colocando a minha seleção da primeira rodada da Copa

                                        🇯🇵 Gonda

Laryea 🇫🇷 Upamecano 🏴󠁧󠁢󠁥󠁮󠁧󠁿Maguire 🇫🇷 T.Hernández

🇨🇦 Eustáquio 🏴󠁧󠁢󠁥󠁮󠁧󠁿 Bellingham

🏴󠁧󠁢󠁥󠁮󠁧󠁿 Saka 🇩🇪 Musiala 🇧🇷 Vinícius Jr

🇪🇨 Valencia

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Dudzicopa 05 - Dimensões do campo e falsas simetrias

 O quarto dia da Copa do Mundo do Catar me fez pensar em comprimento, largura, profundidade, simetrias e assimetrias! Não, não confundi os jogos da tevê com a reprise do Telecurso 2000! O fato é que o jogo de futebol está intrinsicamente ligado à noção de espaço e em como ocupá-lo.

Vimos no Croácia e Marrocos que Modric, Kovacic e Brozovic são ótimos, mas não aqui na defesa e sim lá no ataque! O Marrocos condicionou o local do campo em que os três recebiam a bola e os croatas sofreram. 


Em Alemanha e Japão observamos vários conceitos interessantes relativos ao espaço. Primeiro a Alemanha usando uma formação assimétrica com a bola para levar vantagem. No papel era um 4-2-3-1, mas na prática o lateral-direito Süle (15) ficava na base da jogada junto aos zagueiros Rudiger (2) e Schlotterbeck (23), enquanto o lateral-esquerdo Raum (3) avançava e se unia aos atacantes Musiala (14), que pendia da esquerda para o meio (onde se sente muito mais à vontade), Muller (13), Gnabry (10) e Havertz (7). Atrás deles Gundogan (21) e Kimmich (6) para armar. Bem assimétrico como mostra o mapa de calor do Sofascore:


A assimetria de uma formação em momento ofensivo não é questão estética e sim algo motivado para gerar desequilíbrios. Como o Japão iniciou em 4-2-3-1 com a primeira linha mais "estreita", protegendo os limites da própria área, e o ponta por aquele lado, Junja Ito, ainda tinha que dar conta do lateral-esquerdo/zagueiro Schlotterbeck, o lateral/ala Raum tinha espaço no lado do campo. Foi com ele que a Alemanha atacou primordialmente e foi ele que sofreu o pênalti. 

Voltando às noções de geometria, dá pra dizer que o Japão não conseguia com quatro jogadores dar conta de todo a largura do campo.  Por isso a alteração na metade do jogo foi crucial para os japoneses. Com uma linha de 5 e não mais com quatro, os Samurais conseguiram ocupar melhor toda a extensão horizontal do gramado. Mas isso os fez perder a extensão vertical... Mais gente dos lados, menos gente por dentro e a Alemanha chegou muito!

Como falhou nas finalizações - Gonda foi excelente -, Die Mannschaft deu a chance de o Japão virar o jogo, em um momento no qual a linha de cinco asiática tinha dois atacantes, um lateral e dois zagueiros. Aliás... O segundo gol japonês é uma prova de dificuldade alemã para proteger o comprimento/profundidade do campo/o costado da zaga, que foi exposto pelo lançamento rápido de Itakura para Asano. 

Bom, mas se a Alemanha foi uma assimetria e o Japão se encontrou na largura do campo, o que dizer da Espanha contra a Costa Rica? 

Irritantemente simétrico é o que me vem à mente! 


Esse mapa de passes do site The Athletic mostra ainda melhor a sinergia, simetria e distâncias quase iguais de todos os jogadores


É a síntese do jogo de posição espanhol. Contra uma Costa Rica que "tapou", mas não marcou, os comandados de Luis Enrique deitaram e rolaram nos intervalos entre jogadores e nas zonas esvaziadas do campo pela movimentação dos oitos, pontas e nove de mobilidade. Aqui, para além das noções de simétrico e assimétrico, vale pensar como o princípio de "movemos a bola para mover o adversário" é belíssimo quando funciona dessa forma. Na prática a Espanha é que decidiu quanto media o campo em cada momento. Evidentemente que faltou muita coisa para os Ticos e uma marcação individual talvez tivesse se dado melhor contra os espanhóis. Aí a referência não seria mais o espaço criado pela Espanha e sim a capacidade/tenacidade/agressividade individual. 

Para fechar... Canadá e Bélgica decidiram esvaziar o meio do campo, mostrando que, mesmo podendo, alguns times não querem compactação. É uma assimetria na altura do campo por assim dizer... Bloco da defesa e bloco do ataque!

Com isso os canadenses foram superiores, condicionaram a Bélgica e ainda se aproveitaram da velocidade, inversão e atrevimento da turma da frente. Faltou gol! Gol que a Bélgica conseguiu de forma similar a Takuma Asano contra a Alemanha: lançamento em profundidade, mexendo com a altura/profundidade do adversário. Talvez o goleiro Borjan pudesse ter encurtado mais para Batshuayi.

Talvez eu deva dormir um pouco...

Amanhã tem mais! 





terça-feira, 22 de novembro de 2022

Dudzicopa 04 - A coragem de ser quem se é

O terceiro dia da Copa do Mundo para mim ficou marcado pelas equipes corajosas e de personalidade. Foi muito corajosa a Arábia Saudita para subir linhas e acreditar na ideia de seu treinador contra a poderosíssima Argentina. Se Catar e Irã se dobraram perante o domínio dos adversários, os sauditas mantiveram-se firmes no plano de jogo. Mesmo sofrendo três gols (depois anulados) a equipe do técnico Hervé Renard continuou arriscando e apostando que o sistema do VAR da Fifa seguiria funcionando e que milímetros e milésimos de sincronia e coragem manteriam a equipe no jogo. 


Ao mesmo tempo em que se enchiam de autoconfiança, os sauditas mexiam com os argentinos, que não foram fiéis ao que são. Se na sequência de 36 jogos de invencibilidade a "Scaloneta" foi pausa, troca de passes, aproximação e gambeta, diante da Arábia Saudita os argentinos foram ligação direta e cruzamento. Foram condicionados pelo adversário e deixaram de ser quem são. Naufragaram e perderam por 2 a 1. 

Vi algo parecido aos sauditas na conduta da Tunísia diante da Dinamarca. Não conheço o suficiente da seleção tunisiana, mas vi a coragem de tentar empurrar pra trás uma seleção melhor, que gosta de envolver e que tem muita qualidade no meio do campo. O tiro poderia sair pela culatra, mas a intensidade de Laidouni e Shkhiri e a dedicação de Jebali na frente garantiram que a equipe equilibrasse as ações e até tivesse mais chances que os europeus. No segundo tempo, porém, a Dinamarca conseguiu quebrar mais por dentro, sendo também mais ela por assim dizer. Aí apareceu o goleiro Dahmen para garantir o 0 a 0.

O outro 0 a 0 da terça também me fez pensar.... Mas nesse caso hoje Polônia e México são isso aí mesmo. Times conservadores. Receosos. Especulando... A Polônia me gera mais revolta, pois a seleção europeia conta com um goleiro de alto nível e um dos melhores centroavantes do mundo como referências, além de jovens mais técnicos como Kaminski, Zalewski e outros que eu não conheço, mas que devem existir pelos campos do leste europeu. A ideia da Polônia, no entanto, é não se comprometer. Foi assim em 2018 e tem tudo para ser assim novamente. Cabe perguntar de que serve disputar a Copa do Mundo se é para não jogar e não tentar... Nesse sentido também fiquei pensando hoje nesse cara aqui:



Ele é Matheusz Klich. Meia polônes de 32 anos, que joga no Leeds e que é um dos meus jogadores favoritos pelo que representa para o clube, pelo estilo sardônico em campo e pelos gostos peculiares que ele tem (hip-hop polonês, grafite, golfe). Ele não foi chamado para a Copa depois de ter feito parte de todo o ciclo da Polônia nas Eliminatórias. O estilo de jogo dele é de associação, de tabela e de trazer os outros pra jogar. Ele não é um 10 e não é um 8... Ele é Klich. E por ser Klich perdeu espaço no Leeds com Jesse Marsch e perdeu espaço na Polônia. Azar o deles digo eu! 

EU que estou tentando ser mais o que quero ser. 
Que estou buscando essa coragem...

E que não vou falar da França porque cansei.

Até!

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Dudzicopa 03 - Os jovens e a profundidade no campo

 Às 22h39 desta segunda-feira os jogos já estão meio bagunçados na minha cabeça, mas vou tentar falar um pouquinho de cada um. 

Me parece que um ponto que liga os três jogos de hoje - e a bem da verdade com o de ontem também - é a juventude dos atletas que tiveram atuações destacadas nessas partidas. 




Se no domingo Moisés Caicedo (21), Estupiñan (24), Preciado (24) e Jhegson Méndez (25) ajudaram Enner Valencia a bater o Catar, a segunda começou com Bellingham (19), Saka (21) e Rice (23) dominando e desequilibrando o jogo contra uma pálida seleção iraniana. A equipe asiática teve muitos problemas para se posicionar de maneira compacta, sendo atraída com facilidade pelas movimentações dos meiocampistas ingleses e ficando desorganizada pelas próprias tentativas de encaixar a marcação de maneira individual no English Team.  

Se havia expectativa de duas linhas de 5 ou uma de 6 imitando um jogo de handball, na prática os iranianos foram envolvidos por combinações inglesas e batidos ainda pela fisicalidade do jogo aéreo de Maguire e de corpo de Harry Kane. 

Um ponto importante que me chamou a atenção quando ainda estávamos tendo um jogo equilibrado foi a quantidade de vezes que os ingleses conseguiram chegar ao fundo para cruzar em vantagem. Cruzar do fundo normalmente é melhor que da intermediária! Quando ganha a profundidade, você faz o adversário correr para trás e o obriga a tentar tirar de lado o cruzamento que você faz. 

Mas a beleza do futebol é que não há verdades absolutas, de forma que logo depois de falar sobre as vantagens de cruzar do fundo eu preciso observar que o primeiro gol da Holanda contra Senegal foi feito com cruzamento da intermediária e um timing perfeito de infiltração do atacante. No caso estou falando dos dois jovens que foram oásis de qualidade técnica e boas decisões na equipe laranja: o lançador De Jong (25) e o cabeceador Gakpo (23). Os jovens holandeses se destacaram em uma equipe bem organizada e distribuída, mas com pouca fluidez com a bola. Queria ressaltar que Mendy não foi excelente no lance, mas me parece que o gol 1 da Holanda tem muito dessa sincronia de movimentos e pouco de falha do goleiro, que tinha que sair ali, mas que deveria subir mais que Gakpo.

A impressão que o jogo me deixa, no entanto, é de que Senegal merecia mais pela pegada sem a bola e velocidade para transitar e buscar jogo mais direto. Gostei de Ismaila Sarr (24) e de Boulayé Dia. 

Para finalizar o dia, Tyler Adams (23), Musah (19), Pulisic (24) e Weah (22) nos deleitaram com a intensidade, velocidade e objetividade no primeiro tempo da partida contra País de Gales. Tímidos no primeiro tempo, os galeses melhoraram demais com o grandalhão Kiefer Moore que já está longe de ser jovem com seus 30 anos, mas que permitiu que a equipe galesa ganhasse terreno (olha a profundidade aí) e chegasse ao lance do pênalti em jogada que contou com a esperteza de Brennan Johnson (21) para bater rápido o lateral. Não acho que faltou fôlego para os americanos e sim clareza para definir os inúmeros contragolpes que tiveram quando o jogo ainda estava 1 a 0. Às vezes um pouco de pausa faz bem!



Vou fazer a minha que já já tem Argentina x Arábia Saudita. 






domingo, 20 de novembro de 2022

Dudzicopa 02 - A tremida do Catar, os jovens equatorianos e a espera por Gakpo

No teatro, na música e no stand-up comedy existe o medo de palco...
Me parece que isso aconteceu com a seleção do Catar contra o Equador no primeiro jogo da Copa do Mundo!

Não foi o jogo que esperávamos, principalmente porque o Catar não foi o que a gente imaginava. 
Sem conseguir trocar passes, os comandados de Félix Sánchez não envolveram os equatorianos. 
Sem envolver, perderam a bola. 
Sem a bola, tiveram que defender.
E defender é muito difícil para esses jogadores!

Para o Equador tudo foi muito simples e natural.
Parecia que os jovens Moisés Caicedo, Jhegson Méndez, Hincapié, Preciado e Estupiñan estavam na segunda ou terceira Copa. A atitude foi correta. A intensidade foi adequada e a parte tática foi bem seguida, sobretudo na hora de tirar a saída de bola dos cataris. Tudo isso, claro, foi coroado pelo excelente aproveitamento do experiente Enner Valencia nas finalizações. 



Me parece que as expectativas sobre os equatorianos aumentaram um pouco. Eu gostei do que vi. Acho que vai engrossar mesmo contra Holanda e acredito que possa ser superior a Senegal. 

Já os cataris jogam mais que isso, mas fiquei pensando na questão do jeito de jogar e de como, por mais que devesse ser rápido, o estilo é de calma e paciência. Desempenhar essa ideia com o estômago cheio de borboletas e um monte de equatorianos rápidos e jovens correndo pra cima de você deve ser dificílimo. Ainda mais com toda a expectativa dos torcedores do time da casa... 

A ver os jogos desta segunda:

Inglaterra x Irã

Os ingleses não vem bem e vão ter que furar a retranca iraniana de Carlos Queiroz. Veremos linha de 5 contra "linha de 6"?  Quem é que vai destrancar o ferrolho? Bellingham? Kane? Bola parada? Do lado do Irã esse trio de frente composto por Jahanbakhsh, Taremi e Azmoun prometeria muito. A ver se chegarão a jogar juntos. 

Senegal x Holanda

Gosto do Van Gaal e quero ver Cody Gakpo titular na Holanda! Acho que a Laranja pode crescer durante a competição, sobretudo se o jovem atacante do PSV tiver destaque em um time mais "operário" por assim dizer. Do outro lado, sem Mané, me parece que a segurança defensiva de Mendy e Koulibaly, além da pegada de Nampalys Mendy serão importantíssimas para que os senegaleses tenham chance. 

Gales x Estados Unidos

Quem ficar com a bola provavelmente terá problemas com os contragolpes e transições do outro time. Os jogadores do Leeds, Tyler Adams e Brenden Aaronson, me chamam a atenção na equipe americana, assim como Reyna, se chegar a jogar. Do lado de Gales, Daniel James correndo pode ajudar e Kiefer Moore pelo alto pode ser providencial para os gols que os galeses precisarão.  Bale estará lá, mas não sei como exatamente. A ver!

sábado, 19 de novembro de 2022

Dudzicopa 01 - O Catar, o Equador, vícios e virtudes

Em um mundo tomado por comentaristas de futebol de ocasião e outros de formação que por opção largaram mão, me dei a liberdade de falar sobre a Copa de 2022 aqui também.

A ideia é escrever textos curtos todos os dias. Curtos primeiramente porque já tem gente muito melhor que eu escrevendo coisas melhores que eu por aí. Segundamente porque eu duvido muito que eu vá ter a disciplina para escrever todos os dias, de forma que me engano dizendo que conseguirei desde que seja algo curto.

Bom, se eu de fato fracassar, que esse post sirva ao menos de mural para outro insucesso... 

Bueno, empezemos com o título! 

Amanhã começa a Copa do Mundo com a partida entre Catar e Equador. Teoricamente é um jogo para as pessoas passarem longe, porque não são grandes seleções e nem têm grandes craques, mas vou dizer a vocês que estou animado. Acho que podemos ter uma partida interessante de dois times que jogam de maneiras diferentes. Acho que isso pode nos proporcionar um jogo bacana para começar o Mundial!  

O Catar da posse de bola, forjado pelas mãos e cabeça do espanhol Félix Sánchez vai ter que entrar na defesa dos Alfaro Boys e evitar que a velocidade de Plata e as arrancadas de Estupiñan e Caicedo gerem grandes danos!  Aliás, Gustavo Alfaro está se divertindo na Copa! A entrevista coletiva neste sábado foi repleta de reflexões e dizeres muito interessantes. Ao menos para mim, que gosto de misturar futebol com vida, filosofia, valores, identidade e outras bobagens...


Sobre isso aliás, como não falar da mistureba que temos pelo Mundial ser no Catar? 
Não há como. 

Agora... Há como ser hipócrita para sinalizar virtudes e há como refletir um pouco mais. A número 1 é a mais pedida, mas esse nosso vício precisa ser desafiado. 

O problema não é exatamente o Catar. Assim como esse, há vários outros países nos quais a interpretação da xária (o direito islâmico aplicado) é utilizada para oprimir as mulheres e pessoas LGBTQIA+. Não me parece que a nossa visão cosmopolita, cristã, secular, millenial, capitalista e identitária importe muito por aquelas bandas. Nem me parece que o Catar tenha prometido mudar qualquer coisa para receber o Mundial. Não, o problema não é a falta de avanços democráticos e modernizantes do Catar e nem essa nossa recém-adquirida preocupação com os trabalhadores imigrantes e direitos das pessoas no Oriente Médio.  O problema é a Copa do Mundo ir para o Catar. 

Porque a gente ainda pensa que a Copa do Mundo é um prêmio ou que deveria refletir valores e ideias, já que é a festa do futebol mundial. 

Eu também comparto dessa ideia! Não se enganem. Eu disse lá em cima que gosto dessas bobagens! O problema é que esse "prêmio", valores e ideias já não são praticados faz tempo! 

Ou esquecemos da palhaçada que foi a Copa do Mundo no Brasil? Aquela que não teria um centavo de dinheiro público e que no final nos deu vários elefantes brancos, dívidas e promessas não cumpridas de uma vida melhor? Quantas pessoas morreram esperando? Quantos direitos suprimidos para construir isso tudo? Aliás... Um hoje bem sucedido e admirado gestor de futebol chegou até a explicitar o cinismo da Copa no Brasil ao dizer que não se faz um Mundial com hospitais. Lembram? 

Esquecemos também da Copa na Rússia de Putin? A mesma Rússia que foi defenestrada com a invasão ao território ucraniano, mas que era suportada até ano passado? Suportada com todas suas violações aos direitos das pessoas, anexação da Crimeia e perseguição e violência aos opositores? 

Ah, mas  o Catar é pior! Pode ser. Não vou dizer que não. Mas tudo depende da sua visão e hipocrisia. Dos seus vícios e das suas virtudes. Ou melhor... Das virtudes que você quer demonstrar ao outro na sua rede social. 

Pra mim o problema é outro. 
O problema é o dinheiro.
É terem transformado o futebol do povo no futebol dos patrocinadores, dirigentes e "pacotes de hospitalidade".

"Que bobinho ele! O dinheiro move o mundo"

Sim! Eu sou um tolo! Mas eu disse que gostava de bobagens, não disse? 

Hasta mañana. 

Será?