quinta-feira, 11 de julho de 2013

O conceito e o feito

Não sou nenhum visionário, analista ou filósofo, mas me permito algumas convicções. Uma delas é que na vida tudo parte de uma ideia (ao menos as melhores coisas partem de uma ideia).

Dos desenhos de Da Vinci aos ininteligíveis filmes iranianos cult, o primordial não é a execução, mas sim o conceito, o que levou àquilo. Henry Ford, um dos responsáveis pela mudança do sistema econômico e das relações interpessoais modernas, disse certa vez que se fosse apenas ouvir seus clientes teria chegado à seguinte conclusão: "Precisamos de um cavalo mais rápido". Em vez disso, ele criou algo que ninguém imaginava: um automóvel.

Faço este preâmbulo todo porque acredito que o futebol também funciona desta forma.... As melhores experiências partem de uma ideia. 

Em uma visão pueril diríamos que a ideia no futebol é sempre vencer. Em boa parte é verdade, mas existem muitas formas de vencer e de ser. Afinal de contas, em todo torneio existe apenas um vencedor de fato, mas diversos em tese. 

O Barcelona é hoje o exemplo mais citado de uma ideia para o futebol. O estilo de jogo de posse de bola, a valorização das canteras e internacionalização de conceitos outrora muito particulares à região da Catalunha deixam clara uma identidade do clube e do futebol praticado. As duas coisas caminham juntas. O mesmo pode ser dito do Real Madrid. Aos blancos não basta vencer, - às vezes isso pouco importa - é necessário que isso aconteça por meio dos pés e mentes de grandes estrelas e grifes do futebol mundial. A "classe", a "sofisticação" e o "prestígio" de sempre ter os melhores jogadores do planeta move o Real à frente.

O Bayern de Munique também tem a sua ideologia com a introdução de muitos jovens da base e a proposta de um jogo em que a disciplina serve ao talento. O Borussia Dortmund também tem uma ideia, o Chelsea, o Manchester United, o Arsenal, o Porto e por aí vai.

No Brasil os clubes também têm ideias, embora elas sejam de prazo muito mais curto. O Corinthians depois do retorno à Série A definiu como meta ser um time reconhecido internacionalmente. Por isso contratou Ronaldo e por isso trabalhou duro para montar uma equipe competitiva o bastante para vencer a Copa Libertadores da América. Não se trata apenas de uma obsessão de torcedor, trata-se de uma meta por trás do título. A chegada de Alexandre Pato tem muito a ver com isso.

O Atlético Mineiro quis romper de uma vez por todas com a noção de que seria um time de segundo escalão. Por isso investiu pesado no futebol, se arriscou ao contratar Ronaldinho Gaúcho, bancou o técnico Cuca e hoje colhe os frutos de uma equipe que joga de forma ofensiva - aqui também há uma ideia - e que atrai não só o próprio torcedor, como entusiastas de outras equipes.

O Santos tem na revelação de novos atletas a sua ideia de futebol, o Fluminense opta pela contratação de estrelas e um estilo de jogo pragmático, o Internacional investe em sua estrutura forte, o Coritiba tem um projeto novo e de baixo orçamento, o Atlético Paranaense tenta um modelo distinto dos outros clubes, o Palmeiras - depois de se perder no messianismo de Felipão - se reconstrói com novas ideias e por aí vai.

O clube que teve mais potencial para viabilizar uma ideia de futebol, porém, é o que enfrenta neste momento a maior crise. O São Paulo que dominou o Brasil com o tricampeonato nacional tinha nas mãos a estabilidade, o dinheiro e os alicerces para desenvolver um projeto capaz de transformar o clube em um conceito. Isso até foi feito... Mas o conceito adotado foi o da arrogância.

Após os títulos o discurso do clube passou a ser de que não precisava de profissionais para seguir no rumo e que a agremiação era tão bem sucedida que qualquer um seria capaz de manter os êxitos. O êxito pelo êxito e a soberba pela soberba levaram a direção a demitir Muricy Ramalho e contratar o "sofisticado", mas inexperiente Ricardo Gomes. Os resultados não vieram, mas os dirigentes seguiram convictos no projeto da soberba a longo prazo e promoveram Sérgio Baresi. Não deu certo, mas a confiança seguiu inabalável, mesmo com o time tricampeão sendo desmontado pouco a pouco e remontado com peças muito abaixo daquelas de outros tempos.

A arrogância então levou o São Paulo a dizer que não valia a pena gastar dinheiro com técnicos: o clube era auto-sustentável. Assim, Paulo César Carpegiani foi contratado. Na visão diretiva o clube era tão auto-sustentável que poderia se dar ao luxo até de contratar um jogador de 39 anos após o pedido do capitão do time. Em meio a um processo de fritura promovido na imprensa por Rivaldo, Carpegiani foi  demitido extra-oficialmente e depois oficialmente. 

Para o lugar dele a postura foi a mesma e os diretores bradaram aos quatro ventos que o treinador que não servia para o Corinthians e nem para o Santos, servia para o São Paulo. Adilson Batista ficou pouco tempo no cargo, o que levou a presidência são-paulina a se questionar. Alguma coisa estava errada com o clube e o diagnóstico foi o simplório: "falta gana de vencer". Emerson Leão chegou, mexeu com os atletas e depois atrasou todo o desenvolvimento de uma nova equipe com seus polichilenos e outras sandices.

Após novas eliminações e a completa desestruturação do time de profissionais responsável pelo centro de referência Reffis, mais um treinador foi demitido. O  clube que apostara em um técnico iniciante, um técnico da base, um técnico de experiência média, mas que vinha de dois fracassos, um técnico inconstante e um técnico ultrapassado - todos com filosofias de jogo distintas - decidiu  então jogar suas fichas em um suposto projeto de longo prazo com Ney Franco.

O objetivo era valorizar a base e ter, no futuro, oito jogadores vindos do CT de Cotia no time titular. Isso demanda tempo. Isso necessita de uma filosofia. Ela até parecia presente no título da Sul-Americana e quarto lugar do Brasileiro, quando o São Paulo teve quatro atletas da base entre os titulares, um estilo de jogo vertical e rápido e jovens promessas como Cortez, Tolói e Osvaldo no 11 inicial.

Porém, a nova ideia de futebol do clube mostrou ser bastante permeável. Ao contratar Paulo Henrique Ganso por valores absurdos, a diretoria do São Paulo voltou a bater no peito pra dizer que era capaz de fazer o que ninguém era. Prometeu que faria o jogador ser aquele de outros tempos, mesmo sem saber se haveria lugar para o atleta no time e se ele se adaptaria à filosofia de jogo que o treinador do São Paulo pensava adotar.  Não obstante, o clube fez mundos e fundos para trazer o zagueiro Lúcio, banco de reservas de uma Juventus que atuava com três zagueiros, e se esqueceu de contratar atletas para outras posições carentes. 

A filosofia de ter oito atletas da base entre os titulares aos poucos foi perdendo força , bem como as condições para um elenco harmonioso. Lúcio abandonou os companheiros. Luis Fabiano voltou a perder a cabeça. Rogério Ceni se eximiu de culpa. Fabrício reclamou por jogar pouco. O vice-presidente disse que o time o envergonhava. 

O processo se agravou ainda mais quando o clube que queria ser auto-suficiente na produção de atletas decidiu afastar publicamente sete jogadores, sendo dois da própria base! Depois a diretoria foi ao mercado trazer Silvinho, Roni e Caramelo, desprezando a suposta bonança vinda do CT de Cotia. Por fim, reintegrou o descompromissado e experiente Juan, enquanto contratou o lateral Reinaldo - reserva do Sport - e agora Clemente Rodriguez, tido como defensivo, quando na verdade sempre se destacou pelo apoio.

Não é preciso muito para concluir que a ideia de futebol inexiste. A chegada de Paulo Autuori comprova isso. Novamente o clube faz uma auto-reverência e tenta buscar no passado algo que não existe mais. Autuori é famoso por abandonar projetos pela metade e por não ser muito habilidoso na montagem de seus times. Ele chega para os últimos cinco meses do ano e esse é o máximo de ideia, conceito, filosofia e projeto que o São Paulo é capaz de pensar...