segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Onde Daniel Alves se posiciona? Uma discussão sobre momento ofensivo do São Paulo


A boa atuação de Daniel Alves contra o Oeste me motiva a falar um pouco sobre o posicionamento e comportamento tático do camisa 10 do São Paulo com a bola. Se em 2019 o jogador passou por lateral-direita, interior, segundo atacante e ponta-direita, em 2020 o atleta parece ter se firmado como meia-interior pela direita. O papel dele na equipe, porém, tem sido ligeiramente diferente, com funções mais parecidas com as de um segundo volante do que de um camisa 10 propriamente dito.

Entendo que sem a bola Daniel Alves esteve bem em 2019 e começou bem 2020, mas na minha visão o jogador ainda estava deixando a desejar no momento ofensivo do time. Seja por orientação do treinador ou por "vontade própria" vimos nas primeiras rodadas do ano um Daniel Alves muito mais preocupado com a saída de bola do que com a armação das jogadas do meio para frente. Exemplos não faltaram nos cinco primeiros jogos. Deixo aqui alguns deles destacando o posicionamento do camisa 10, de Tchê Tchê e de Hernanes, que compuseram junto a ele o trio de meiocampistas. Notem como os dois primeiros estão sempre bem perto dos zagueiros e como Hernanes tenta achar espaços numa zona extremamente congestionada (prints em ordem cronológica):










Reitero: essa parte Daniel Alves fez muito bem. A questão é que o São Paulo ficou com poucas opções do meio para frente. Se você tem quatro atletas muito próximos da linha da bola (os dois zagueiros, Tchê Tchê e Daniel Alves), naturalmente haverá menos à frente da bola (os dois laterais, os dois pontas, um meia e um centroavante). Importantíssimo lembrar que Fernando Diniz não orienta os jogadores a guardar posições e aguardarem pela bola e - a meu ver - também não tem toda essa preocupação sobre quantos constroem e quantos se posicionam. Inclusive vemos que os jogadores são constantemente motivados a se movimentar e encontrar espaços para receber a bola. O problema dessa abordagem mais "intuitiva" por assim dizer é que em muitos momentos o São Paulo ficou sem ter como avançar. Achar espaços e jogadas com tão pouca gente à frente é uma tarefa difícil e - a meu ver - o São Paulo sofreu também por isso nessas partidas. 


Contra Corinthians e Oeste, no entanto, eu vi uma mudança. Não é drástica e não significa que Daniel Alves não venha mais construir com a bola aqui de trás, mas foi possível sim observar mais vezes o camisa 10 se posicionando em zonas mais avançadas do gramado. Contra o Corinthians, ainda com Hernanes, vimos cenas como essas, que eram bem menos comuns:





Enquanto contra o Oeste, por mais que tenhamos visto Daniel muitas vezes na base da jogada, Igor Gomes se posicionou de maneira bem diferente de Hernanes, o que permitiu ao São Paulo ter mais opções perto do gol e menos atletas na linha da bola. Se Hernanes estava à frente, mas na linha dos volantes, Igor buscou as costas dos volantes e até mesmo a área do adversário.Isso permitiu que Daniel Alves tivesse opção de passe em diferentes alturas do gramado e também que ele viesse de trás mais vezes, já que a jogada seguiu mais vezes:







Vejam, não quero aqui usar prints para dizer que isso aconteceu agora e não aconteceu em outros jogos. Aconteceu, mas eu, de um ponto de vista subjetivo, e baseado na minha lembrança, entendo que aconteceu mais vezes nesses últimos jogos do que nos outros. Para tentar reforçar meu ponto, busquei os mapas de calor de Daniel Alves nos sete primeiros jogos do ano. A fonte é o Sofascore.com, que utiliza como base de cálculo "toques na bola". Ou seja, o jogador pode ter passeado pelo campo todo, mas só haverá marcação no campinho onde ele tocou na bola. Se tocou muitas vezes os pontos vão saindo do amarelo claro para o vermelho, passando pelo laranja no processo. Explicação feita vejam o mapa de calor nos primeiros cinco jogos e como houve toques na intermediária e campo defensivo (atenção na flecha que diz para onde o time atacou): 






Agora vejam contra o Corinthians (participação menor, mas mais perto do gol) e principalmente contra o Oeste. 




O espaço de amostragem é curto e talvez sigamos vendo desempenhos diferentes contra adversários diferentes. De repente vimos um Daniel Alves mais à frente contra o Corinthians porque o Corinthians pressionava saída de bola... De repente contra o fraco Oeste isso ocorreu porque tinha mais espaço para jogar... De qualquer maneira me compele discutir o melhor posicionamento do time quando há a posse de bola em momento ofensivo. Quando a equipe se organiza para jogar! Não estou falando de contra-ataques e transições rápidas. O que me parece é que o São Paulo precisa de mais gente à frente da linha da bola, já que zagueiros e goleiro sabem bem fazer a saída. Você ter dois zagueiros, o goleiro e dois meiocampistas faz com que o tricolor tenha que enfrentar nove jogadores de defesa com apenas seis atletas de ataque. Isso dificulta muito. 

Com Igor Gomes se movimentando muito no ataque já passa a ser um duelo de sete contra nove e se Daniel Alves fizer mais vezes a movimentação para frente da linha da bola já pode ser um nove contra oito... 


Para deixar mais claro o que eu disse: 


Três atrás da linha da bola e Daniel Alves armando o time: situação de seis atacando e oito rivais defendendo


Tchê Tchê dando o primeiro passe e Daniel Alves se movimentando em zonas "mais altas" do campo: situação de sete atacando e nove rivais defendendo.

Igor Gomes no time. Mesmo que haja quatro na linha da bola, Igor encontra espaços nas costas dos volantes. Não há superioridade numérica, mas superioridade posicional (recebe em zona perigosa do campo)


A ver se isso passa pela cabeça do técnico Fernando Diniz ou se ele está mais preocupado em movimentação constante do que com a conta "jogadores na linha da bola" x "jogadores à frente da linha da bola". Não há certo ou errado. Existem visões. A minha é a de que quatro na linha da bola é desperdício e que Daniel Alves perto da área faz melhor ao time do que ele armando "como quarterback". 


PS: De maneira parecida creio que a discussão sobre a saída de três (lavolpiana) também passe por aí. Se de um lado é muito legal ter o volante recuando para fazer uma saída qualificada, de outro você tem um cenário no qual o meio do gramado tem três opções (dois meias e o centroavante) e os lados normalmente tem quatro (dois pontas e dois laterais).  Equipes que conseguem fazer a saída de três com um lateral ou mesmo com dois jogadores e o goleiro ganham opções pela zona central do campo em locais mais próximos do gol do adversário. 




domingo, 23 de fevereiro de 2020

Um diagnóstico sobre o Santos de Jesualdo Ferreira


O começo de ano do Santos de Jesualdo Ferreira tem sido complicado sob dois pontos de vista: de um lado as comparações com o trabalho que Sampaoli fazia no Peixe, de outro a falta de grandes desempenhos na nova ideia trazida pelo treinador português.

Como de costume a imprensa já quer demitir o comandante. Na argumentação deles segue muito viva a lembrança do time do ano passado, mas considero importantíssimo dizer que: não há quase nenhum ponto de contato entre Jesualdo e Sampaoli, portanto não há como cobrar que o trabalho desse ano seja parecido com o de 2019.

Inicialmente "seguidor" de Marcelo Bielsa, Jorge Sampaoli adotou desde 2013/14 uma abordagem mais "guardiolista" para seus times. Saiu de cena o jogo de intensidade e velocidade durante 90 minutos para dar lugar a um estilo mais pausado, de controle do adversário a partir da posse de bola e dos fundamentos do chamado jogo de posição. Sem a bola, sim, foram mantidos os conceitos de pressão pós-perda e busca pelo controle das transições do adversário que já eram praxe desde os tempos de La U.  Foi isso que ele buscou e fez no Santos.

Jesualdo é de outra escola, tem outro background e outra forma de ver o futebol. No Santos já é possível ver as ideias do português, mas a fluência e execução delas ainda deixa a desejar. A meu ver é natural, embora devamos sim cobrar uma evolução e não estagnação. Me interessa aqui discutir o que Jesualdo está buscando.

Primeiro de tudo: Jesualdo não é adepto do jogo de posição. Em vez de espalhar jogadores pelo gramado e fazer a bola ir até eles, o português acredita na aproximação de jogadores em função da bola. Há grande ênfase na saída de 3 e subida dos laterais para o campo de ataque. Não por aspectos estéticos e sim porque os laterais são fundamentais como instrumentos de amplitude do time para permitir as triangulações pelos lados do campo. Tem sido muito comum ver essa ideia de ataque como primordial do Santos 2020. Lateral, meia e ponta se aproximam para jogar e ocupam alturas e comprimentos diferentes no gramado a fim de permitir a formação de triângulos. Depois, muitas vezes, vem o cruzamento buscando o lado oposto, onde teoricamente haveria espaço por conta do balanço defensivo do adversário.  Abaixo coloco uma série de exemplos do jogo mais recente, contra o Ituano:










O problema é que a execução dos santistas nesse jogo foi bastante ruim. Na maioria das vezes a troca de passes foi lenta, a movimentação não foi coordenada ou o próprio passe foi ruim, o que impediu o Santos de criar oportunidades condizentes com a posse de bola que teve. Mas embora ainda não seja regra, vale lembrar que tal jeito de atacar já deu certo neste ano. Compartilho aqui o vídeo que consta em um post do site Proscout sobre esses primeiros dias de Jesualdo em território brasileiro.



Identificar esses padrões e entender o que o treinador quer é fundamental para fazer uma avaliação honesta e aprofundada do que é o trabalho até agora. 

Vou me estender um pouco mais, no entanto, para falar de um aspecto que tem me incomodado nos últimos jogos do Peixe: a marcação sobre os laterais do adversário. O gol do Ituano veio em um lance no qual a jogada começa na defesa do time de Itu. Acompanhem comigo: 


O Ituano sai jogando e o Santos ameaça uma pressão na bola. Para tanto, Soteldo abandona o lateral-direito Pacheco. 

O Santos consegue forçar o chutão e ganha pelo alto, o que dá tempo ao Peixe para se recompor em momento defensivo

Quase todo o time está posicionado na defesa em momento defensivo , mas a pressão em quem tem a bola não é boa

Felipe Jonathan está fazendo o balanço defensivo correto, mas o fato de ninguém pressionar o portador da bola dá muito tempo e espaço para ele escolher a melhor jogada.

Resultado: sem pressão na bola o Ituano consegue virar a bola para a direita e Soteldo não está em Pacheco. Felipe Jonathan, por sua vez, está longe de Yago.

Resultado: Felipe Jonathan corre para trás e não pressiona Yago por se preocupar com a passagem de Pacheco. O resto vocês já sabem: cortou para dentro e gol.



O segundo gol vem numa cobrança de falta cometida após cobrança de lateral, então não entra nessa, mas o que ocorreu no primeiro gol do Ituano está longe de ser algo atípico nesse começo de ano para o Santos. A marcação dos atacantes nos laterais do adversário não está boa. Me parece (e não tenho como saber pois não ouvi Jesualdo falando sobre isso) que os "pontas" tentam fechar a linha de passe para impedir o jogo por dentro. O problema é que os laterais e pontas do adversário se juntam e criam superioridade numérica... Abaixo exemplos de jogos contra o Corinthians e contra a Ferroviária. Notem sempre os duelos pontas do Santos contra laterais do oponente: 















Minha conclusão: Jesualdo quer algo diferente de Sampaoli e isso leva tempo. Imaginem pegar jogadores que há um ano se espalham no campo para atacar em posicional e transformá-los em atletas que se aproximam da bola para triangular e cruzar. Ao mesmo tempo, sem a bola era perde e pressiona e frustração das transições do rival. Agora é posicionamento defensivo fechando linhas de passe.  Há falhas na execução das jogadas de ataque e transição ofensiva e falhas na execução de momento defensivo,. Bola parada defensiva e transições defensivas, por ora, me parecem ok! 

É necessário ver evolução nas próximas rodadas. Trocas de passes mais rápidas, coordenação de movimentos mais apurada e entendimento das movimentações no momento defensivo. Isso vai para além de resultado. 


PS: Deixo aqui também um texto de 2016 falando do começo de trabalho de Edgardo Bauza no São Paulo. Por quê? Porque lá também a ideia era triangular para atacar.