domingo, 23 de fevereiro de 2020

Um diagnóstico sobre o Santos de Jesualdo Ferreira


O começo de ano do Santos de Jesualdo Ferreira tem sido complicado sob dois pontos de vista: de um lado as comparações com o trabalho que Sampaoli fazia no Peixe, de outro a falta de grandes desempenhos na nova ideia trazida pelo treinador português.

Como de costume a imprensa já quer demitir o comandante. Na argumentação deles segue muito viva a lembrança do time do ano passado, mas considero importantíssimo dizer que: não há quase nenhum ponto de contato entre Jesualdo e Sampaoli, portanto não há como cobrar que o trabalho desse ano seja parecido com o de 2019.

Inicialmente "seguidor" de Marcelo Bielsa, Jorge Sampaoli adotou desde 2013/14 uma abordagem mais "guardiolista" para seus times. Saiu de cena o jogo de intensidade e velocidade durante 90 minutos para dar lugar a um estilo mais pausado, de controle do adversário a partir da posse de bola e dos fundamentos do chamado jogo de posição. Sem a bola, sim, foram mantidos os conceitos de pressão pós-perda e busca pelo controle das transições do adversário que já eram praxe desde os tempos de La U.  Foi isso que ele buscou e fez no Santos.

Jesualdo é de outra escola, tem outro background e outra forma de ver o futebol. No Santos já é possível ver as ideias do português, mas a fluência e execução delas ainda deixa a desejar. A meu ver é natural, embora devamos sim cobrar uma evolução e não estagnação. Me interessa aqui discutir o que Jesualdo está buscando.

Primeiro de tudo: Jesualdo não é adepto do jogo de posição. Em vez de espalhar jogadores pelo gramado e fazer a bola ir até eles, o português acredita na aproximação de jogadores em função da bola. Há grande ênfase na saída de 3 e subida dos laterais para o campo de ataque. Não por aspectos estéticos e sim porque os laterais são fundamentais como instrumentos de amplitude do time para permitir as triangulações pelos lados do campo. Tem sido muito comum ver essa ideia de ataque como primordial do Santos 2020. Lateral, meia e ponta se aproximam para jogar e ocupam alturas e comprimentos diferentes no gramado a fim de permitir a formação de triângulos. Depois, muitas vezes, vem o cruzamento buscando o lado oposto, onde teoricamente haveria espaço por conta do balanço defensivo do adversário.  Abaixo coloco uma série de exemplos do jogo mais recente, contra o Ituano:










O problema é que a execução dos santistas nesse jogo foi bastante ruim. Na maioria das vezes a troca de passes foi lenta, a movimentação não foi coordenada ou o próprio passe foi ruim, o que impediu o Santos de criar oportunidades condizentes com a posse de bola que teve. Mas embora ainda não seja regra, vale lembrar que tal jeito de atacar já deu certo neste ano. Compartilho aqui o vídeo que consta em um post do site Proscout sobre esses primeiros dias de Jesualdo em território brasileiro.



Identificar esses padrões e entender o que o treinador quer é fundamental para fazer uma avaliação honesta e aprofundada do que é o trabalho até agora. 

Vou me estender um pouco mais, no entanto, para falar de um aspecto que tem me incomodado nos últimos jogos do Peixe: a marcação sobre os laterais do adversário. O gol do Ituano veio em um lance no qual a jogada começa na defesa do time de Itu. Acompanhem comigo: 


O Ituano sai jogando e o Santos ameaça uma pressão na bola. Para tanto, Soteldo abandona o lateral-direito Pacheco. 

O Santos consegue forçar o chutão e ganha pelo alto, o que dá tempo ao Peixe para se recompor em momento defensivo

Quase todo o time está posicionado na defesa em momento defensivo , mas a pressão em quem tem a bola não é boa

Felipe Jonathan está fazendo o balanço defensivo correto, mas o fato de ninguém pressionar o portador da bola dá muito tempo e espaço para ele escolher a melhor jogada.

Resultado: sem pressão na bola o Ituano consegue virar a bola para a direita e Soteldo não está em Pacheco. Felipe Jonathan, por sua vez, está longe de Yago.

Resultado: Felipe Jonathan corre para trás e não pressiona Yago por se preocupar com a passagem de Pacheco. O resto vocês já sabem: cortou para dentro e gol.



O segundo gol vem numa cobrança de falta cometida após cobrança de lateral, então não entra nessa, mas o que ocorreu no primeiro gol do Ituano está longe de ser algo atípico nesse começo de ano para o Santos. A marcação dos atacantes nos laterais do adversário não está boa. Me parece (e não tenho como saber pois não ouvi Jesualdo falando sobre isso) que os "pontas" tentam fechar a linha de passe para impedir o jogo por dentro. O problema é que os laterais e pontas do adversário se juntam e criam superioridade numérica... Abaixo exemplos de jogos contra o Corinthians e contra a Ferroviária. Notem sempre os duelos pontas do Santos contra laterais do oponente: 















Minha conclusão: Jesualdo quer algo diferente de Sampaoli e isso leva tempo. Imaginem pegar jogadores que há um ano se espalham no campo para atacar em posicional e transformá-los em atletas que se aproximam da bola para triangular e cruzar. Ao mesmo tempo, sem a bola era perde e pressiona e frustração das transições do rival. Agora é posicionamento defensivo fechando linhas de passe.  Há falhas na execução das jogadas de ataque e transição ofensiva e falhas na execução de momento defensivo,. Bola parada defensiva e transições defensivas, por ora, me parecem ok! 

É necessário ver evolução nas próximas rodadas. Trocas de passes mais rápidas, coordenação de movimentos mais apurada e entendimento das movimentações no momento defensivo. Isso vai para além de resultado. 


PS: Deixo aqui também um texto de 2016 falando do começo de trabalho de Edgardo Bauza no São Paulo. Por quê? Porque lá também a ideia era triangular para atacar. 

6 comentários:

  1. Não sei se haverá tal compreensão neste estilo de jogo do JESUALDO a pressão é muito grande depois do último jogo.

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    1. Tem razão. Clima começa a ficar muito difícil... Querem resultados e desempenho imediatamente porque a evolução não tem sido boa.

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  2. De novo o, "equívoco", ou a incompreensão de o q se espera de um treinador recai sobre o amadorismo dos nossos dirigentes. Será q não avaliaram a forma do jogar do Santos de Sampaoli e a confrontaram com com os trabalhos do Jesualdo???

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    1. Tenho minhas dúvidas. Tenho grandes dúvidas... Acho que foram mais pelo lado da experiência e aproveitaram-se da visibilidade da escola portuguesa no país neste momento.

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  3. Primeiro texto seu que leio por aqui. Muito bom, parabéns pela iniciativa. Não é muito comum ver gente da imprensa esportiva fazendo análises mais profundas dos times, especialmente em blogs, rs.

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