quarta-feira, 10 de maio de 2017

"Você sabe com quem está falando?"

No último domingo três treinadores jovens da região Sudeste do Brasil puderam comemorar pela primeira vez a conquista de títulos como técnicos. As trajetórias de Roger Machado no Atlético Mineiro, Fábio Carille no Corinthians e Zé Ricardo no Flamengo até as respectivas taças, no entanto, foram de altos e baixos e nenhum deles se safou do famoso "está pressionado", mesmo que, de fato, não estivessem. 

Há contextos específicos para explicar a oscilação de humor de torcedores, dirigentes e segmentos da imprensa, mas um traço é comum aos três: a desconfiança. Desconfiança motivada principalmente pela ausência de títulos no currículo e que levou a conclusões pueris como "não tem tamanho para o clube" ou "peca pela inexperiência". São aforismos completamente subjetivos e que carecem de dados e fatos que os justifiquem, mas que mesmo assim são amplamente utilizados mediante os resultados obtidos. 

Por isso, Roger, Carille e Zé Ricardo "precisavam" tanto de um título; para terem a calma e a confiança necessárias para desenvolver um trabalho. É um raciocínio que contraria a lógica. A calma e a confiança necessárias para gerar um trabalho bem feito é que levam ao resultado e não o contrário. "Futebol é assim", dizem... Até é, mas cabe a cada um de nós refletir sobre isso e mudar o panorama se acharmos necessário.

Enfim, os três agora contam com o carimbo do campeão e terão uma resposta à cruel e ridícula pergunta: "ganhou o quê?".  Eu pergunto ao nobre leitor e aos partidários dessa ideia: "E você, ganhou o quê na sua vida?". Alguma taça? Prêmio por sua atuação profissional em algum lugar? Pois é... Nem por isso você não merece respeito e crédito no seu trabalho não é mesmo? 

Infelizmente é uma pergunta que segue sendo feita quando alguém não gosta do trabalho ou dos resultados - principalmente dos resultados - de algum treinador. É um fenômeno decorrente da incapacidade geral de analisar o jogo e de vários impulsos extra-futebol, mas sobre esse raciocínio específico faço a seguinte comparação: 

O "ganhou o quê?" é muito semelhante ao "você sabe com quem está falando?".

No texto "Sabe com quem está falando? Um ensaio sobre a distinção entre indivíduo e pessoa no Brasil", o antropólogo Roberto Damatta entende que essa é uma construção social muito brasileira.  

Escreve ele: "No caso do Brasil, tudo indica que a expressão permite passar de um estado a outro: do anonimato (que revela a igualdade e o individualismo) a uma posição bem definida e conhecida (que expressa a hierarquia e a pessoalização); de uma situação ambígua e, em princípio, igualitária, a uma situação hierarquizada, onde uma pessoa deve ter precedência sobre a outra. Em outras palavras, o "sabe com quem está falando?" permite estabelecer a pessoa onde antes só havia um indivíduo".

O título faz o mesmo com o treinador de futebol, com a diferenciação de que na maioria das vezes não é o profissional que fala isso, mas sim quem quer analisá-lo (jogadores, dirigentes, torcida e imprensa). Seria mais correto dizer nesse caso: 

"Você sabe de quem está falando?"  
Do cinco vezes campeão brasileiro, do bicampeão da Copa do Brasil, do pentamundial e assim por diante...

O título confere distinção a um profissional que poderia, e deveria, ser avaliado pelo trabalho e pelas possibilidades que tem em seu clube. Essa diferenciação cria a desigualdade reclamada lá em cima: todos são treinadores, mas quem já ganhou algo merece paciência, compreensão e análise, enquanto quem nunca venceu título merece ironias e afirmações carentes de provas como "não tem tamanho", "é inexperiente" e assim por diante. 

Corroborando essa ideia, mas em um contexto de sociedade, Damatta escreve em seu ensaio: "Preferimos utilizar o domínio das relações pessoais - essa área não atingida pelas leis - como local privilegiado para o preconceito que, entre nós, como têm observado muitos pesquisadores, tem um forte componente estético (ou moral) e nunca legal".  

Se relevarmos o sentido de legal aqui (afinal não vamos prender ninguém por ser preconceituoso com o trabalho de um treinador)  temos exatamente a nossa realidade futebolística. 

Pessoalmente não tenho dúvida de que o futebol reflete a nossa sociedade. 
Da mesma maneira, estou convicto de que podemos fazer algo além de lamentar e dizer: "Futebol é assim..."

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Evolução e ruptura

"Não atingimos a evolução esperada".

Assim o presidente do Palmeiras, Maurício Galiotte, "justificou" a demissão de Eduardo Baptista do clube. 

Me pergunto aqui: Qual seria a evolução esperada pelo presidente? Um Palmeiras que desse show e vencesse "time boliviano" sem problema algum?  Um Palmeiras que nadasse de braçada no Paulistão goleando rivais e empilhando mais um título?  Certamente ele não estava falando de resultados, já que foram apenas cinco derrotas em 23 jogos, sendo que apenas o revés para a Ponte Preta representou alguma consequência séria para o ano do clube. Será que esperava uma sequência do excelente trabalho de Cuca?  Impossível! Qualquer um sabe que Eduardo Baptista não era o nome para manter o que o campeão brasileiro fazia! Ele era o nome para mudar e - quem sabe - evoluir o time. 

"Mas como?!?!  Evoluir um time campeão nacional?! Com o melhor aproveitamento dos pontos corridos?  Melhor ataque, melhor defesa, melhor saldo, melhor bola aérea??!?!"

Sim. Eduardo era o nome para evoluir o time; evoluir o DESEMPENHO do time. 

Apesar dos méritos de Cuca serem inegáveis, também é difícil refutar a ideia de que o jeito de jogar dava claras mostras de esgotamento. A estratégia de pressão média/alta, lançamentos para ganhar a segunda bola e jogadas ensaiadas estava sendo aprendida pelos rivais e não foram poucos os jogos nos quais o Palmeiras poderia (pelo grande elenco que tinha) ter atropelado os rivais com atuação e resultado e não o fez. Cito de cabeça e muito brevemente as partidas contra Internacional, Santa Cruz, Figueirense e América Mineiro, além da precoce eliminação na Copa do Brasil. "Ah, mas ganhou!". Sim, a conversa aqui é DESEMPENHO, o "como" jogou, o quanto foi bem e o de que maneira venceu. 

Achar que se Cuca tivesse ficado o time seguiria crescendo é mexer com o imponderável. É mais uma crença do que um fato e o fato é que Cuca não ficou e o Palmeiras reforçou o elenco de modo a ter mais opções de jogo.  Cuca seria capaz de dá-las? Não o fez no Atlético Mineiro e o clube seguiu até 2017 refém (pelo bem e pelo mal) do que ele construiu em 2013, emendando Levir Culpi e Marcelo Oliveira para tentar "manter o que vinha dando certo" e fritando os "táticos e calmos" Autuori e Diego Aguirre. Nem Levir, nem Marcelo ficaram no Galo. Por que será?! 

Da mesma maneira, o trabalho de Eduardo Baptista ganhou desde o primeiro dia a má vontade da torcida e parte da imprensa. Afinal de contas ele, tal qual Aguirre e Autuori no Galo, representava uma ruptura com a sequência Marcelo Oliveira e Cuca, "um jogo chato" de posse de bola e paciência, que teve no duelo contra o Corinthians o auge da mediocridade. Mas... Era justo cobrar algo ali? Em 22 de fevereiro?! Enfim... Essa ruptura demanda tempo e o Palmeiras estava no caminho até o apagão e derrota para a Ponte Preta em Campinas. 

Contra o São Paulo o alviverde fez uma partida de manual, contra o Santos dividiu protagonismo no primeiro tempo, caiu muito na etapa complementar, mas teve forças para - mediante mudanças do treinador - conseguir a vitória. Se teve dificuldades contra o Tucumán, com um a menos, teve espírito e garra para arrancar uma vitória contra o muito bem organizado Jorge Wilstermann, enquanto diante do Novorizontino deu baile nos dois jogos. "Ah, mas quem é Novorizontino?"  Era o time que estava na semifinal. 

O primeiro tempo ruim diante do Peñarol foi obscurecido pela gigante atuação na segunda etapa, com o Palmeiras saindo atrás, mas criando para fazer seis e não só três gols (Borja perdeu pênalti, Tche Tchê teve bola tirada em cima da linha e Willian perdeu gol sem goleiro). Veio então a Ponte Preta e um primeiro tempo ridículo...

Felipe Melo perdeu todas, Prass falhou em dois gols, Zé Roberto foi de boca no chão... 

Bom, falou-se em ressaca e falta de concentração e acho que nesse caso específico se aplica. No jogo da volta, na Arena, Eduardo Baptista fez a primeira experimentação com os três zagueiros e apesar de o resultado necessário não ter vindo, o Palmeiras teve uma atuação boa. 

Eduardo então quis manter  os três zagueiros contra o Peñarol, mas fez duas mudanças em relação ao time que bateu a Ponte Preta: colocou Felipe Melo no meio e tirou Tche Tchê do time.  Não deu certo. Ambos nas posições daquele sábado eram a sustentação do esquema... Vitor Hugo foi um desastre, Egídio ficou totalmente perdido e a distância entre os setores foi um negócio absurdo... Baptista ERROU. Errou, mas corrigiu, e no segundo tempo o Palmeiras fez três gols com até certa facilidade. 

Bom, e aí chegamos no jogo contra o Jorge Wilstermann. Sem Melo, sem Dracena e sem gramado adequado para jogo de posse de bola, o Palmeiras abusou dos lançamentos e viu a equipe boliviana se aproveitar de erros absurdos de Vitor Hugo, Jean e Prass para chegar à vitória. Para mim essa foi a pior atuação do Palmeiras no ano, mas não justificaria demissão alguma. Caberia a Eduardo corrigir a bola parada defensiva, juntar mais os setores do time e esmerar a criação de jogadas com a bola no chão, algo que não pôde ser medido nos últimos três jogos por conta dos cenários enfrentados.

Era para CORRIGIR e não ROMPER.

Eduardo foi demitido pela falta de evolução... Em quatro meses era pro Palmeiras jogar bem e ganhar, segundo os dirigentes. Se fosse para dar sequência no que Cuca vinha fazendo eu acho que poderiam dizer isso sim. Se fosse para criar algo novo e evoluir então não, quatro meses não são suficientes.

Fato é que a tese burra de que Eduardo não tem tamanho para o Palmeiras ganhou cada vez mais adeptos e o contratador Alexandre Mattos não quis segurar a bronca. Eduardo que foi campeão com o Sport, que melhorou muito a Ponte Preta e que não foi bem no Fluminense, onde nos últimos dez anos só Muricy e Abel tiveram sucesso.

Tamanho de treinador se faz com tempo, respaldo e bom trabalho e não com currículo passado (que o digam Muricy, Scolari e Marcelo Oliveira no Palmeiras). O próprio Cuca, aliás, era o "azarado chorão" até chegar ao Atlético Mineiro!

Enfim! Cuca deve voltar e o Palmeiras tentará um revival... Um revival daquele  time do início do Brasileirão 2016, quando o treinador teve tempo para treinar.  Dessa vez, no entanto, os jogadores vêm de quatro meses de estilo Eduardo e não oito de estilo Marcelo Oliveira... O Palmeiras não tem mais Gabriel Jesus e por ora não tem Moisés... Vai dar certo? Por ora é mais uma crença, do que um fato, mas como é bom calar a voz argumentativa e se entregar à fé não é mesmo?