segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Insensíveis à doença, sensibilizados pela raiva

A quantidade de jogos em curto período de tempo e a situação atípica na qual ocorrem essas partidas fazem com que os fatos, episódios, narrativas e contextos se percam. Não dá tempo de pensar em nada. As coisas acontecem e imediatamente são substituídas por outras... Por isso quero fazer exatamente o contrário. Vamos respirar um pouco e lembrar... 

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Pronto. Vamos! 

Quarta-feira, Salvador, jogo da Copa do Brasil.  Ao final do primeiro tempo, o Vitória batia o Ceará por 2 a 1 depois de abrir dois gols de vantagem e ver o meia Vinícius descontar de pênalti. Tão logo o árbitro da partida apitou o término da primeira etapa, o presidente do Vitória, Paulo Carneiro, invade o campo de jogo e, dedo em riste e sem se importar com as imagens e áudios captados pela televisão, ameaça o jogador do Ceará: "Aqui você apanha, seu vagabundo. Comigo a história é outra. Sabe disso? Fica caladinho aí".  Um absurdo certo? Depende... Uma quantidade considerável de pessoas foi às redes sociais defender o mandatário. Segundo eles "esse é o futebol de verdade", "o futebol raiz". 

Sexta-feira, Curitiba. A diretoria do Athletico Paranaense comunica que decidiu demitir Dorival Júnior do cargo de técnico da equipe principal. O Furacão, desmontado no início do ano e campeão estadual, vinha de quatro jogos sem vitória; em três deles o treinador não pôde estar no banco de reservas da equipe. Estava doente. COVID-19... Nas redes sociais, celebração da torcida athleticana pela demissão. Regozijo pela saída do profissional! Exceto para aqueles que já se esmeraram em cravar: "não pode deixar esse Eduardo Barros como treinador!!!".  Não se sabe quem vai treinar o time daqui em diante, mas tanto faz... O importante é demitir. 

Sábado, Rio de Janeiro. Botafogo e Internacional se enfrentam no Estádio Nilton Santos. Depois de um começo ruim e de tomar um 2 a 0, o Botafogo melhora e reage, mas tem dois gols anulados pela arbitragem. Um de forma inquestionável. O outro bastante discutível. Após o apito final, o goleiro botafoguense Gatito Fernández vai até o monitor do VAR na beira do gramado e, com raiva das decisões, chuta o aparelho. O monitor cai no chão. O Inter não tem nada a ver com isso e chega a 15 pontos em seis jogos. É o líder do campeonato, embora muitos jornalistas e torcedores entendam que o técnico não presta porque não ganha Grenal. 

Sábado, Belo Horizonte. O Cruzeiro perde para o América Mineiro por 2 a 1 na sexta rodada do Brasileiro da Série B. É o quarto jogo seguido sem vitória da Raposa, que está em processo de reconstrução após a queda à segunda divisão e que trocou de técnico durante a paralisação do futebol pela pandemia do novo coronavírus. Após o jogo, o conselheiro do clube e investidor Pedro Lourenço dá uma entrevista a uma rádio dizendo que iria ligar para o presidente do Cruzeiro para pedir a demissão do treinador Enderson Moreira. Segundo o conselheiro, "esse lenga lenga não tem como continuar, não. Nós estamos perdendo jogo, o cara tira meio de campo, tira atacante. Como vai empatar se não tem atacante? Mandaria embora hoje. Não sobraria um".  Ele ainda adicionou: "Se tem um técnico, tem que ter ao menos um esquema de jogo. Não tenho nada contra o Enderson Moreira, só vi ele uma vez. Mas é muito fraco". 

Domingo, São Paulo. O tricolor paulista se prepara para enfrentar o Corinthians no estádio do Morumbi, em clássico válido pela sexta rodada do Brasileirão. O jogo é às onze horas da manhã, mas nem o horário e nem as restrições da pandemia do novo coronavírus impediram um grupo de torcedores são-paulinos de protestar contra o próprio time, então terceiro colocado no Brasileirão. Em jogo sem torcida, quem chegou com apoio ao Morumbi foi o Corinthians! 

Pronto. Podemos respirar de novo...

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Podemos voltar à nossa rotina. 
Nada para ver aqui.

Foram apenas quatro dias normais no futebol brasileiro.  Sigamos! 

Insensíveis à doença e sensibilizados pela nossa raiva, construindo o esporte e o país.