quarta-feira, 29 de abril de 2020

Uma breve reflexão sobre o futebol "pós-pandemia"

Especialistas e pensadores das mais diversas áreas de conhecimento tendem à unanimidade no que se refere ao mundo após o fim ou relaxamento do isolamento social advindo do novo coronavírus: ele nunca mais será o mesmo. 

A frase pode parecer frágil à primeira mostra, já que toda a hora usamos esse conceito de mudança total e definitiva nas nossas vidas. É meio o modo de vida das pessoas atualmente. Mudar, conhecer, alterar, transformar, não se contentar... Por isso o conceito de "nunca mais será o mesmo" está até meio batido. Mas peço que pensem no peso verdadeiro dessa afirmação quando falamos do vírus: 

Nossas vidas nunca mais serão as mesmas.  

Isso significa que todos os nosso parâmetros de normalidade serão alterados. Não é pouca coisa.

Embora para alguns possa ser um exagero, basta pensar que o medo de pegar o novo coronavírus e as incertezas sobre o futuro vão permanecer por muito tempo. Muito mais do que o levantamento das restrições de isolamento social e quarentena.

Motivado por esses pensamentos todos, me pus a pensar o que isso significa para o futebol. Qual será o futebol do "pós-pandemia"?  Entre aspas porque certamente o futebol vai voltar com o vírus ainda circulando por aí. 

Do ponto de vista do negócio e da gestão as consequências gerais estão mais ou menos claras: em um cenário de recessão econômica, a tendência é de que haja menos dinheiro para compra de direitos televisivos por parte das emissoras e plataformas de streaming, menos patrocinadores, menos pessoas com capacidade de gastar muito com o clube do coração e, obviamente, uma diminuição drástica do faturamento com a bilheteria. Isso gera menos dinheiro para as agremiações e pode acarretar em salários menores e investimentos comedidos na aquisição de novos jogadores e treinadores.  
Ao mesmo tempo o pessoal dos departamentos de marketing, comercial, responsabilidade social e outros vão pensar em maneiras de tentar minimizar os impactos dessa mudança de paradigma. Teremos mais mídias sociais por causa do distanciamento?  Mais materiais de bastidores para oferecer experiências próximas em um mundo sem a presença de público nos estádios?  Clubes vão entrar de cabeça na prevenção futura de outras pandemias?  Vão fazer mais ações de responsabilidade social?  Vão tentar mudar a mentalidade de que só importa vencer?  Enfim...

E do ponto de vista do jogo mesmo?  Teremos mudanças?  Acho que em um primeiro momento sim, principalmente logo após o relaxamento das restrições de isolamento social. Há cenários diferentes para cada país, mas vou pegar como gancho o cenário brasileiro, no qual os campeonatos mais importantes sequer começaram.

Imaginando que teremos futebol em junho, os primeiros jogos vão ser realizados com atletas que passaram três meses ao menos sem partidas competitivas. Mais: três meses em que eles pouco treinaram, sendo que a maior parte das atividades foi em casa. Os treinos nessas condições atendem principalmente à parte física, mas falham nas questões técnicas, táticas e cognitivas que normalmente essas atividades contemplam. Como vão voltar esses jogadores? Provavelmente pior do que quando saíram para o período de isolamento. 

Ao mesmo tempo, o aspecto coletivo do jogo estará prejudicado de maneira fundamental, uma vez que, neste cenário de futebol em junho, teríamos pouquíssimas atividades em campo com a bola. Isso significa jogadores menos acostumados, preparados e entrosados para fazer o que o técnico gostaria que eles fizessem. Por outro lado, o período de isolamento social serviu para que treinadores revisassem os próprios times e estudassem os adversários, o que pode permitir alterações no próprio modelo de jogo ou prevenções para o modelo de jogo do adversário. Será que algum treinador mais obsessivo criou uma jogada de bola parada mortal durante a parada?  Isso significará jogos mais equilibrados? Ou sacadas de mestre de quem estudou mais? 

Outro aspecto fundamental é o psicológico, que considero ser o mais desafiador de todos. O mundo que aguarda os jogadores de futebol após o relaxamento das restrições de isolamento social é extremamente complicado. 

Primeiro de tudo: eles terão que se expor ao risco de pegar o vírus. Mesmo que todos os atletas sejam testados e os clubes sejam extremamente responsáveis, o medo será constante. E se houve um erro? E se eu peguei, sem saber? E essa dorzinha de garganta? É gripe ou corona? Eu acho que não, mas podemos imaginar até que um jogador possa eventualmente - de forma inconsciente - evitar ir em uma dividida mais forte ou em um contato físico mais intenso com um adversário por conta desse receio. Será que isso - aliado ao aspecto físico prejudicado pelos treinos em condições específicas - pode levar um time a jogar com mais passes longos e menos divididas? 

Segundo: toda a preparação para os jogos será alterada. O atleta que estava acostumado a se concentrar com os companheiros de time agora poderá ter que ir ao estádio no próprio carro. Ele virá trocado de casa? Quando chegar ao estádio vai poder ter aquela resenha com os companheiros? Ou será tudo muito comedido para não correr risco? A descontração dará lugar à preocupação?  Ele será submetido a álcool gel, máscara, álcool gel, teste no vestiário? Isso muda toda a preparação e pode impactar no desempenho dele no campo.

Campo, aliás, que estará sem torcedores. Como é um jogo sem torcida? Falta concentração? Parece treino? Dá pra ouvir tudo o que o treinador fala? O "doping emocional" do incentivo ou da vaia vai embora... Isso impacta de que maneira? 

O comportamento pós-jogo também será impactado. Trocar camisa com adversário está descartado e aquele banho após a partida deve acontecer em casa agora. Será que esse atleta volta pra casa tranquilo, sabendo que pode ter se contaminado? Ele fica perto ou longe da esposa e dos filhos? E os jogadores que tem que viajar de avião para casa? Os riscos são maiores ainda.


Bom, essa foi uma passada breve sobre alguns pontos que podem ter impacto no futebol quando ele voltar. Acharam exagerado? Pensaram em outros? Mandem aí!