sábado, 6 de abril de 2019

Sobre o uso de emoções nos debates de futebol


Há algum tempo venho pensando nos formatos, oratórias e argumentações utilizadas na cobertura jornalística do futebol brasileiro. Não sei bem se conseguirei desenvolver o tema com a profundidade necessária, mas prefiro tentar compartilhar a ideia do que guardá-la comigo.

Não sei se isso é coisa antiga ou recente, mas tem me chamado demais a atenção como não só os programas de debate, mas também as matérias teoricamente informativas têm usado as emoções como fio condutor dos temas e das discussões. 

Exemplifico com as vitórias e derrotas. É óbvio que elas são a razão de ser do esporte e elemento central da construção dos textos e debates, mas  têm sido cada vez mais raras as coberturas que se esmeram em de fato abordar o que houve nos jogos.  Não falo de análises táticas elaboradas ou discussões sobre posicionamentos, técnicas de chute, de marcação, etc, mas sim de discutir o que aconteceu.  


O que tenho visto é que um revés puxa discussões sobre elementos que não puderam ser observados. Coisas como "derrota expõe falta de planejamento", "está faltando comando?", "o elenco do time x é ruim?".  Da mesma maneira, nesses programas e nessas matérias uma vitória é evidência suficiente de "deu a volta por cima",  "planejamento acertado leva a equipe a.."  e "técnico y é o diferencial nesse momento".  Claro, alguns fazem isso depois de dois jogos ou quem sabe cinco, mas quase sempre jogam os holofotes para elementos extra-campo a fim de concluir algo. Me parece que o mote hoje é esse: é preciso concluir algo sempre.  Nenhuma derrota, empate ou vitória se enseja em si. Sempre há um bigger picture a ser observado.

O formato dos programas de TV e rádio e a busca incessante pelos cliques nas matérias dos portais configuram o principal motivador. Como as televisões - e algumas rádios - precisam estar o tempo todo com algo no ar e nem sempre há jogos interessantes, elas optam por promover infindáveis programas de debate com durações que variam entre duas a  quatro horas. É fácil, não custa direitos de transmissão e você só precisa de uns dois câmeras e três debatedores para preencher parcelas importantes de tempo.  Como analisar os jogos não demora tanto assim - ao menos no formato mais abrangente e superficial característico da comunicação de massa - então torna-se essencial criar debates e temas que não foram mostrados no jogo. Assim, é quase mandatório concluir coisas, do contrário não há tese e antítese e, portanto, "não há o que ser discutido".  E se não há o que ser discutido, o que raios eu coloco aqui na tela pela próxima meia hora??! 


Como não há substância na maioria das vezes - seja pela falta de espaço amostral para observar algo maior, pela própria natureza equivocada dessa promoção de debates ou desconhecimento - a essência das discussões se torna simplesmente a percepção do debatedor sobre aquele tema. Utilizo aqui percepção como antônimo de conclusão, na medida em que uma depende de sensações, sentimentos e de uma olhada não tão detida sobre algo, enquanto a outra teoricamente seria fruto de estudo, método, prova e contraprova.

Meu ponto é: a percepção sobre algo é um caminho ainda mais subjetivo, que cai facilmente nas emoções de quem assiste e de quem debate - seja de propósito ou pela falta de propósito na discussão. Daí derivam as ilações como: "planejamento patético", "não sabem gerir um clube", "fulano não serve pra jogar futebol", "siclano está completamente perdido", "foi um vexame", "sinal de alerta ligado", etc.  Quanto disso tem de razão e quanto disso tem de emoção?  Nesse caso parti do pressuposto de que há boas intenções ou desconhecimento na gênese do processo, mas obviamente há empresas e profissionais que sabem disso quando o fazem. 


Me falta o conhecimento necessário para aprofundar o tema, mas as métricas e procedimentos das redes sociais parecem estar dando o tom dos programas e matérias esportivas. No excelente "10 motivos para você deletar suas redes sociais agora" o autor Jaron Lanier traz a ideia de que Twitter, Facebook, Youtube e derivados medem a relevância de um conteúdo a partir de curtidas, compartilhamentos e comentários, o chamado engajamento. O que você faz para chegar a isso, no entanto, não tem importância para os algoritmos dessas empresas, de forma que conteúdos que mexem com as emoções (normalmente as negativas) são os que têm "melhor desempenho" nessas métricas. 

Nos programas de futebol está acontecendo a mesma coisa. As infindáveis e inúteis discussões sobre Messi x Pelé, Zico x Messi, Carille pode ser o novo Guardiola, Palmeiras x Real Madrid e outras têm apelo não pela discussão e sim pelas emoções envolvidas. Pense bem: essas simples perguntas despertam qual tipo de reação? Não te dá vontade de tuitar sobre? De falar mal sobre? De ir até a TV e pegar pelo colarinho quem bolou essa ideia?  Pois é...  Sabe o que isso significa para os executivos de tevê? Audiência e engajamento. Então mexer com as emoções é "bom". 

As perguntinhas bobas são o exemplo extremo, mas meu ponto é que a utilização de emoções nas "análises" vem tendo o mesmo objetivo. Se você discute bom ou mau planejamento após uma derrota você tem um debate sobre a percepção sobre aquele clube e se ele é "bom" ou "ruim". Isso gera repercussão e engajamento. Se você vê uma vitória como prova de que "voltou a garra e entrega", você mexe com os sentimentos das torcidas que se veem representadas nessa afirmação.  Se você vende a ideia de que contratar um jogador renomado soluciona problemas, você mexe com o otimismo do torcedor, mesmo que esse atleta não se prove na prática há alguns anos. Se você está debatendo porque o jogador de 90 milhões ficou no banco, você está vocalizando o que a torcida pensa.  Está usando aquele sentimento de raiva e revolta de quem assiste para que você seja escutado e repercutido.

O método tem sido extremamente bem sucedido no que se refere à audiência, mas - a meu ver - tem repercussões péssimas para o nosso entendimento do jogo. Os desdobramentos desse fenômeno são vastos e de difícil compreensão. O imediatismo das análises contamina a avaliação dos dirigentes sobre os treinadores e jogadores?  A falta de entendimento de que equipes vão sendo construídas e que treinos são processos advêm daí também? Os incentivos aos comunicadores é maior que aos jornalistas?  São várias dúvidas, mas podemos ao menos refletir sobre...