segunda-feira, 1 de julho de 2019

Por que o Leeds não subiu?

Dando sequência ao nosso review da temporada 2018-19 do Leeds United, vamos para a parte mais analítica da série de posts. Lembrando: no primeiro discutimos como o rótulo de perdedor diz pouco sobre Bielsa e no segundo fizemos um apanhado do mercado de transferências e dos momentos do time na temporada. Nesse último notamos facilmente que a equipe que encerrou 2018 na liderança da segunda divisão e que só tinha perdido quatro jogos desde agosto acabou caindo pelas tabelas, com nove derrotas entre janeiro e maio antes do revés definitivo contra o Derby County nos playoffs.

Vamos pegar a partir desse último ponto e destrinchar algumas possibilidades sobre a queda na segunda parte do ano:



Hipótese 1: "O elenco era muito curto" 


Para começo de conversa, um esclarecimento a quem não acompanha tanto assim a carreira de Marcelo Bielsa: ele não se adapta. Na cabeça do argentino a ideia tem primazia sobre o jogo. Se a execução da ideia não é satisfatória, então cabe a ele e aos jogadores executarem melhor. Como o próprio disse em entrevista coletiva nesta temporada: "Se você consegue mudar algo facilmente, então certamente não foi difícil construí-lo".


Reside aí o ponto fundamental do trabalho de Bielsa, seu sucesso e decepção. Mas...  Como tornar realidade uma ideia de futebol ousada e que não se adapta às oscilações e variações de partidas e campeonatos?  Primeiramente é necessário que todos os atletas comprem essa ideia. Que ninguém duvide da viabilidade e aplicação dela e que, ante o infortúnio, haja a mentalidade de corrigir e não destruir.  Difícil não?  Ainda mais quando alguns atletas estão jogando e outros não. Aí está, a meu ver, a predileção de Bielsa por trabalhar com poucos jogadores no chamado "grupo principal" e completar o elenco com jovens das academias. É mais fácil vender e aplicar uma ideia a 18 "experientes" do que a 25. Há também uma questão de tempo dedicado a cada atleta. Fazer 18 treinarem bem é diferente de fazer 25. Da mesma maneira, atletas mais jovens tendem a comprar mais fácil as ideias e "questionar" menos os métodos. 

Bielsa fez assim no Bilbao - também pela necessidade do clube de ter apenas bascos -, fez assim no Marseille, quando jovens como Lemina, Boutoubba, Omrani, Porsain-Clement, Aloé, Sparagna e Maxine Lopez ganharam espaço no elenco, e fez assim no Lille, quando mesmo com grandes contratações, a equipe teve o elenco mais jovem das cinco ligas importantes da Europa.

Então sim, o elenco do Leeds foi pequeno para 48 partidas (46 na temporada regular e duas nos playoffs). Ao menos no que se refere aos padrões dos outros treinadores. A saída de Samuel Saiz no meio do ano, a lesão de Roofe no meio da temporada, e as contusões de Alioski e Roberts na reta final pesaram demais e os substitutos não estiveram à altura. A dizer: Jack Harrison, Patrick Bamford, Stuart Dallas e Forshaw (esses últimos bem no fim da temporada). Talvez com mais contratações ou jogadores mais experientes houvesse mais qualidade nos momentos decisivos, mas aí talvez não houvesse a adesão à ideia e execução tão bem feita. São escolhas....

Hipótese 2: "Bielsa cansou os caras"

Uma suposta cobrança excessiva do treinador por desempenho físico é a narrativa mais utilizada para explicar os problemas médicos e a queda de desempenho na segunda temporada. Ela, no entanto, é simplória e facilmente questionável. Em relação às lesões, a maior parte delas veio de choques, pancadas e rupturas/lesões em ligamentos. Não são questões musculares, que em tese seriam as lesões advindas de demanda física excessiva. É óbvio que um atleta descansado talvez não sofra essa pancada ou tenha condições de não sofrer tanto impacto ao apoiar o corpo, mas aí vamos entrar na subjetividade de cada caso. Impossível olhando de fora falar: "cansou os caras".

Em relação ao desempenho físico, de acordo com Bielsa, os scouts do Leeds demonstraram que a equipe correu mais na segunda parte da temporada do que na primeira. Ainda que você não acredite em quem está dentro do clube, como é possível explicar que um time que perdeu quatro jogos entre 29 de janeiro e 2 de fevereiro emende na sequência 5 vitórias e uma derrota?  Cansou e descansou?  Provavelmente não. 

Mas se essa declaração e esse exercício de lógica não forem suficientes, o perfil @LUFCDATA no Twitter fez um trabalho de fôlego em relação às estatísticas da equipe nessa temporada. Entre algumas conclusões que os números demonstraram estão:

- Aumentou o número de chances criadas no terço final da disputa do campeonato

- Nas últimas 11 rodadas aumentou o número de toques dentro da área e chutes a gol em relação aos jogos anteriores.

- A quantidade de gols esperados para o número e qualidade dos chutes do Leeds era de 36,32 na primeira parte da temporada e subiu para 41,87 na segunda metade.

Por outro lado... A quantidade de gols esperados para o número e qualidade dos chutes enfrentados pelo Leeds era de 17,7 na primeira parte da temporada e subiu para 23,87 na segunda.  Ainda assim, a diferença entre gols que deveriam ter sido marcados e gols que deveriam ter sido sofridos somente na segunda parte da temporada é de 18 gols.

Mas por que esses gols não foram marcados? 

Hipótese 3: Eficiência e eficácia! 

Recorrendo de novo ao excelente trabalho do @LUFCDATA encontramos os seguintes  números:

- O campeão Norwich criou 525 chances e fez 93 gols, o que dá uma conversão de 17,7%

- O vice-campeão Sheffield United criou 450 chances e marcou 78 gols, o que dá uma taxa de conversão de 17,3%. 

- O terceiro colocado Leeds United criou 638 chances e marcou 73 gols, o que dá uma taxa de conversão de 11,4%

A partir desses números podemos concluir que A) faltou marcar gols ou B) faltou evitar que mais gols fossem tomados. Aí cabe lembrar de quem estamos falando: Bielsa sempre vai pensar em marcar mais gols do que o adversário. Não passa pela cabeça dele o "defender melhor" e sim o "atacar melhor". Então nós podemos questionar as atuações de Kiko Casilla no segundo jogo dos playoffs, os erros da defesa em jogos importantíssimos e a falta de preparo para não conceder pênaltis e gols de escanteio, mas a mirada de Bielsa não está aí. E sejamos justos: a defesa do Leeds sofreu 50 gols em 46 jogos da temporada regular, sendo assim a terceira melhor.

Vamos à parte do ataque, então. Por que o time converteu tão pouco se criou tanto? Durante toda a temporada o treinador bateu na tecla de que o único jeito de fazer os gols era criar mais e que não havia como treinar eficiência. Acho que cabe discussão sobre esse tema, mas mais do que a qualidade da finalização, cabe questionar a qualidade da chance criada.

Uma chance criada na entrada da área é diferente de uma chance criada dentro da pequena área. Ao longo da temporada, como já era de se esperar, os times foram aprendendo a neutralizar os ataques do Leeds, descendo a marcação e fechando bem o centro da área. Isso resultou em chances menos claras. Em tempo, o próprio @LUFCDATA mostrou que a quantidade de gols esperada para a temporada + playoffs do Leeds era de 79 gols e a equipe anotou 76.  Ou seja... A expectativa de gols derivada da QUALIDADE das chances criadas não era tão melhor assim, o que manteria aquele número alto de chances e baixo de conversão.

Daí cabe então dizer: o Leeds precisava criar melhor ou ter um finalizador capaz de fazer gols com chances pouco claras. Na parte da criação Pablo Hernández cumpriu o papel por um bom tempo, mas nos últimos jogos da temporada e playoffs atuou mal, enquanto na parte das finalizações que poderiam vir de chances menos claras, Roofe entregou mais que Bamford, mas nenhum dos dois se equiparou aos homens-gol dos rivais.

Para se ter uma ideia, os concorrentes à promoção tiveram os seguintes números para seus atacantes:

- Teemu Pukki do Norwich foi o artilheiro do campeonato com 29 gols. 
- Billy Sharp do segundo colocado Sheffield United fez 23 gols.
- Roofe do terceiro colocado Leeds fez 15 gols, enquanto Bamford anotou 9.

Em relação aos gols esperados, o @LUFCDATA também fez um levantamento baseado no modelo de gols esperados:

- Pukki fez 29 gols e a expectativa era de que tivesse feito 22,8
- Sharp fez 23 gols e a expectativa era de que tivesse feito 18,8
- Roofe fez 15 gols e a expectativa era de que tivesse feito 15,8
- Bamford fez 9 gols e a expectativa era de que tivesse feito 11,5


É justo concluir que os centroavantes adversários fizeram mais com menos. Resta aí o dilema para a nova temporada que se avizinha: criar melhor ou chutar melhor?


Resumão 


Explicar vitórias e derrotas em jogos já é uma tarefa difícil e - para alguns - inútil. Há muitas variáveis, há o plano, há o feito, o conceito, desfeito e a sorte. Dizer "é isso" ou "não é isso" requer um grau de egocentrismo e arrogância difícil de igualar. Que dirá fazer isso em relação a uma temporada toda em um campeonato de 24 times. Não tenho essa pretensão, mesmo tendo assistido a todos os 48 jogos do Leeds United na temporada 2018-19.  Ainda assim, compartilho meu diagnóstico, resumindo bastante o que falamos no post anterior e também nesse: 

O Leeds chegou muito bem para o começo do campeonato, fruto da excelente preparação física no período de pré-temporada. Somou muitos pontos na primeira parte, mas viu os adversários crescerem na metade do campeonato, sobretudo Norwich e Sheffield United, que começaram mal. Na sequência, Saiz saiu e Roofe se machucou. Casilla não trouxe as defesas impossíveis que se esperava. 


O time até se reencontrou em fevereiro, mas fazer gols era um verdadeiro parto. Para piorar, tomar gols passou a ser simples. Vários adversários chutaram uma vez e fizeram um gol. Os adversários sabiam como anular o Leeds e o Leeds não sabia como criar chances claríssimas. O jogo com o Wigan foi o golpe de misericórdia. A partir dali a pressão foi absurda e os atletas não responderam à demanda. E no jogo decisivo contra o Derby, Hernández  foi discretíssimo, Casilla falhou como nunca antes e Roofe, Roberts e Alioski foram ausências muito sentidas. 



PS: Para quem quiser acompanhar os dados do ótimo levantamento feito pelo @LUFCDATA, aqui estão os links: