terça-feira, 3 de janeiro de 2023

O que sobrou do Leeds...

Certamente tem algo muito errado quando os momentos que você mais gosta do seu time são coisas como uma queda característica do seu lateral-direito, um chute na bola que estava pronta para ser cobrada para sua área, um cântico sobre o seu ex-jogador estar gordo e uma entrada faltosa e sorridente no metido a craque do adversário. 

Pois é. É isso aí que mais tem me divertido no atual Leeds United.  


As quedas de Ayling, sempre seguidas de sorrisos, o chute de Tyler Adams após Klich segurar o braço do rival para impedir a cobrança de falta, os gritos em Elland Road para dizer que Kalvin Phillips estava gordo demais para jogar no Leeds e a entrada maldosa de Klich em Grealish, seguida de um grande sorriso por parte do polonês (lembrando os embates acalorados com o Villa na Championship 18-19) foram meus momentos favoritos do Leeds no pós-Copa.

Em dois jogos, os Whites perderam para o City por 3 a 1 em casa e empataram por 0 a 0 com o Newcastle fora. Ao todo nessas duas partidas o Leeds chutou 17 vezes e acertou o gol duas vezes, enquanto os dois rivais chutaram 42 vezes, acertando o gol em 14 oportunidades. A posse de bola contra o City foi de 31% e diante do Newcastle terminou em 41%. Nesses dois casos os números retrataram bem o que foram as partidas: o Leeds se defende, rouba a bola e perde a bola. Corre muito, mas joga muito pouco. 

Pode-se arguir que o bom momento e qualidade dos rivais explicam esses desempenhos, mas na verdade em 18 jogos oficiais da temporada 22-23, o Leeds é muito mais isso aí que qualquer outra coisa. Há pontos fora da curva como o triunfo diante do Chelsea e as boas atuações contra Tottenham e Arsenal, mas em geral, mesmo quando vence, o Leeds é isso aí. Um time que corre muito, se entrega muito, mas que não se preocupa em jogar com a bola nos pés. Não são altas trocas de passes ou posse colossal. Digo de tentar algo mesmo, além de bicar a bola pra frente. O Leeds não tenta nada senão correr de um lado para o outro para evitar o jogo do adversário. E mesmo isso o time não faz bem, haja vista as grandes chances que os rivais criam todo jogo. 

O que gera ainda mais desgosto - ao menos em mim - é ver como esse time rapidamente deixou de ser aquele que empolgava, que buscava e tentava apesar das limitações para se transformar nesse time negativo, que é o mais faltoso da Premier League (em média), que celebra empates como se fossem vitórias, que faz cera nos tiros de meta e que sequer busca se impor nos jogos.



Claro que sou suspeito para falar pois adoro os times e a figura do Bielsa, o ex-treinador, mas será que o caminho era esse mesmo? Destruir toda a identidade do clube para abraçar essa visão de futebol do americano Jesse Marsch? Se ao menos a troca tivesse valido o preço... Mas não tem sido o caso.

Sim, de fato a salvação na temporada passada veio com esse futebol aí, mas o resgate aconteceu só na última rodada porque o Burnley não fez a parte dele. Com Bielsa seria diferente? Não dá pra saber. Agora em 22-23, com quase um ano de trabalho de Marsch à frente do clube, com atletas versados no estilo Marsch/Red Bull como Adams, Aaronson e Kristensen, o Leeds tem esses desempenhos fraquíssimos e a mesma pontuação da temporada passada na décima sexta rodada. 

Sobre o estilo aliás... O modelo de jogo de Jesse Marsch é baseado nas ideias de Ralph Rangick, em especial nas ideias dele para os times da Red Bull, onde foi primeiro treinador e depois coordenador durante toda a implementação do modelo de jogo que seria empregado em todos os clubes da empresa. Marsch se orgulha - com razão - de ter feito todo o caminho dentro dos times da companhia, começando no New York, passando pelo Salzburg e chegando ao Leipzig. Na Alemanha, porém, ele foi muito mal e não soube como recolocar o time no prumo, sendo demitido por maus resultados meses depois de a equipe ter, sob o comando de Naggelsmann, ter chegado ao vice-campeonato nacional. Era de se esperar que o fracasso no Leipzig e o fato de treinar um time sem o DNA Red Bull pela primeira vez na carreira na Europa fossem engendrar algumas adaptações e mudanças, mas nesse momento elas ou não existem ou não têm êxito em campo.

Eu acompanhei muitos dos treinadores que foram da Red Bull nessa época, em especial o Roger Schmidt, de quem eu sou fã. Todos eles conseguiram fora dos times da Red Bull um futebol que também tivesse momento ofensivo no pacote. Que fosse mais do que se livrar da bola e sair correndo atrás. Aqui falo especialmente de Schmidt, mas também de Hassenhutl, Adi Hutter e Tedesco... Então não é apenas uma questão de estilo, mas de execução das ideias. 

Não vou me aprofundar mais nisso do modelo de jogo e princípios futebolísticos, mas sempre me chama a atenção esse contraste entre Marsch e Bielsa. Na personalidade os dois não poderiam ser mais diferentes, mas isso é gosto pessoal. 

Dentro de campo e vendo esse dia a dia dos dois com o mesmo clube, cada vez mais penso em Jesse como o "company man", o carreirista da empresa de energéticos. O cara entrou na empresa como estagiário, rezou a cartilha da Red Bull desde cedo, subiu na carreira e vê o futebol pelo prisma da eficiência e eficácia desse modelo de jogo que lhe foi ensinado. É como se Jesse Marsch fosse um franqueado da Red Bull, que comprou a ideia pra colocar ali no estabelecimento dele, não importa qual seja a demanda e a realidade. Quando não dá certo a culpa é dos jogadores, então ele vai lá e compra quem já jogou na Red Bull antes. 

Bielsa, por outro lado, desenvolveu uma forma única de trabalhar os jogadores tática, física e tecnicamente. É muito difícil achar alguém igual. Mesmo quem o segue faz as coisas diferentes... Para mim, Bielsa é um artesão. Esculpe, esmera, pinta, detalha e busca um produto único. Suas equipes são únicas e as peças de pouco valor se tornam pepitas. Quando não dá certo, ele segue tentando esculpi-las pois não sabe fazer outra coisa, mas às vezes os materiais e o escultor simplesmente não são bons o bastante. 

As duas maneiras podem dar certo. Eu gosto muito mais da segunda (óbvio) e tô vendo que detesto a primeira cada vez mais (ao menos essa forma aí do americano). 

Mas é isso... O que me restou foi rir do Ayling, lembrar do Klich e de todos aqueles jogadores que me fizeram tão feliz lá atrás. Que eram carismáticos, valentes e corajosos apesar das limitações. Que procuravam vencer e convencer. Ganhar e encantar. 

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