segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

O "futebol negócio" contra o "futebol das pessoas"

Nos últimos três anos cresceu muito o meu incômodo com a mercantilização do futebol. Claro que esse fenômeno não é recente e o que vemos agora é só uma consequência de várias decisões tomadas durante décadas e décadas, mas o meu incômodo é de agora.

Está aqui agora. 
E se está aqui, infelizmente, vocês vão ter que ouvir.

Pra mim pegou muito forte na pandemia.

Até ali eu obviamente não ignorava os fundamentos capitalistas e mercantis do futebol profissional. Claro que eu estava ciente de que os clubes são gigantes econômicos, que o dinheiro precisa entrar, que gestões profissionais são importantes, que há uma indústria do futebol, yadda, yadda, blablablá. 

Foto por Marko Milivojevic de Pixnio
Foto por Marko Milivojevic de Pixnio

Ao mesmo tempo, no entanto, eu acreditava que esses aspectos eram parte de um binômio que agregava também o lado afetivo, cultural, social, simbólico e lúdico do esporte mais praticado do mundo. 

Na pandemia eu vi outra coisa. 
Ou senti outra coisa...
Principalmente por causa da postura dos clubes brasileiros... 

No meio do caos sanitário, da maior tragédia dos nossos tempos (até aqui) eu vi essas agremiações centenárias, esses polos agregadores de pessoas, essas partes importantes da construção de identidades e valores do Brasil, simplesmente virarem as costas para a maioria dos torcedores. O jogar para não perder dinheiro falou mais alto em TODOS os clubes. Não houve um que tenha, de verdade, se colocado ao lado das pessoas mais necessitadas ou se proposto a ser um canal de articulação verdadeira ou diálogo verdadeiro da sociedade com os entes públicos, como deveriam ou prometiam ser os clubes de futebol. 

Não. 

Os clubes se comportaram como os donos de restaurantes, os donos de shoppings, os donos de igrejas... Enfim! Os donos. Não os empregados ou o povo. 

O dinheiro era mais importante. 
Era mais importante jogar o Paulistão em Volta Redonda. 
Era mais importante viajar para falar com o presidente e fingir que os protocolos eram seguros. 
Era mais importante gritar gol ao lado do hospital de campanha, enquanto milhares morriam todos os dias. 
"Nós vamos deixar de jogar só porque tem gente morrendo?" chegou a perguntar o presidente de um clube gigantesco e popular. 

Pois é. 

Depois vinha o minutinho de silêncio ali e tudo bem. Umas cestas básicas doadas...

Coisas completamente inócuas dada a magnitude do tema.
Coisas totalmente desconectadas do caráter social que deveriam ter os clubes de futebol, que teoricamente são associações sem fins lucrativos que congregam pessoas, representam pessoas, que passam valores, constroem identidades, yadda,yadda,yadda,blablablá. 

Bom, mas foi só no Brasil isso? Não.

Os clubes europeus também fizeram força para voltar (acho que não tanto quanto os nossos daqui), mas lá os que representaram os donos acabaram sendo impedidos pelos governos. Sim, porque os órgãos públicos trabalharam contra a pandemia e não a favor como os nossos daqui... Isso, no entanto, é outra história... 

O fato é que, a partir desses acontecimentos, atitudes e discursos, é que meu radar ficou muito atento à contraposição entre o futebol negócio e o futebol das pessoas, como eu comecei a dizer mentalmente. 


O que eu defino como "futebol negócio", de forma bastante pejorativa, é o futebol feito para ganhar dinheiro. O futebol que tenta apenas ser um produto para vender. O futebol dos gestores, CEO's, empresários e do mundo corporativo com seus termos pomposos e promessas vazias de modernidade. O futebol que esmaga pessoas, que transforma jogadores em peças descartáveis e torcedores em meros consumidores. O futebol que tritura identidades em prol de argumentos comerciais e comercializáveis. O futebol das ditaduras e seus projetos de softpower e sportswashing. O futebol dos engravatados, dos VIPs, da Fifa, Conmebol e derivados...

Por outro lado, o que eu defino como "futebol das pessoas" é o futebol que nos fez gostar de futebol. O futebol do torcer, do emocionar, do sorrir e do chorar. O futebol que é feito para o torcedor de verdade. O futebol que busca ser símbolo de algo além de resultados esportivos e econômicos. O futebol que se preocupa com valores, começando pelos valores do esporte para a sociedade e passando por outros mais intangíveis ou subjetivos. O futebol que une. O futebol que é o único, ou um dos únicos, motivos para os mais carentes e oprimidos sorrirem. Esse é o futebol das pessoas para mim. 

Vejam... Sei que não é possível fazer do futebol profissional o futebol das pessoas apenas, mas me oponho fervorosamente contra esse movimento crescente de fazer o futebol profissional ser exclusivamente o futebol negócio. 

Esse movimento está ostensivamente disseminado entre quem efetivamente faz o futebol, com seus CEO's, métricas, lucros, parcerias e seu vocabulário excludente para fingir erudição e progresso. Está amplamente disseminado entre muitos torcedores, que celebram bilheterias, patrocínios, parceiros econômicos, premiação em eliminações, vendas de jovens jogadores e até do próprio clube. Está amplamente disseminado na imprensa esportiva, com reportagens, comentários e repercussões absolutamente acríticas ao futebol negócio e que não se preocupam com as consequências dele.

É por isso que eu faço questão de, neste texto e na minha atividade profissional diária, me opor a esse movimento e lembrar que o futebol não é apenas o futebol negócio, mas também (e principalmente) é o futebol das pessoas. Ou deveria ser...

Nesse último ponto da imprensa, aliás, me chama especialmente atenção como os jornalistas brasileiros (ou o que sobrou deles) falham em fornecer o mínimo contraponto a esse domínio do futebol negócio no dia a dia. Cito a imprensa especificamente pois sou jornalista e também porque entendo que não é papel do grupo dos poderosos e nem do torcedor ter essa visão crítica, mas é sim papel da imprensa. Ou deveria ser...

No tema das Sociedades Anônimas do Futebol, as SAF's, por exemplo, eu nem cheguei a ver qualquer problematização da coisa por nossos lados. Falam na SAF como futuro para o futebol por causa da "profissionalização", "modernização" e dinheiro envolvido, mas esquecem do que significa vender um clube e tudo o que ele representa para um grupo de empresários, um empresário qualquer, um ditador, ou um governo de marcante e flagrantes desrespeitos aos direitos humanos. 

Enfim, minúcias à parte, essa é a minha percepção e o meu incômodo sobre o que está acontecendo. Há muito mais para tratar dentro desse enorme guarda-chuva e, pelo menos neste momento, eu tenho a intenção de falar mais sobre isso. Não posso garantir, pois vira e mexe falo que vou escrever mais e acabo não cumprindo, mas... Quem sabe?  

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