domingo, 18 de dezembro de 2022

Dudzicopa 30 - Um jogo pra enterrar qualquer análise

O vigésimo nono e último dia da Copa do Mundo me fez pensar em como vemos futebol, em humildade e em gratidão. Vou explicar:

Antes de a bola rolar uma das possibilidades avaliadas para a escalação da Argentina na final da Copa do Mundo contra a França era a entrada de Di Maria na equipe. Com a escalação dele pela direita de ataque da Argentina, o time poderia fazer dois contra um no lado esquerdo da defesa francesa, já que Mbappé, por opção do técnico, não recompõe por esse lado.

Logo que Scaloni divulgou a escalação, eu e tantos outros comentaristas e metidos a entendidos dissemos: 

 

"Corajosa a opção do Scaloni pois mais do que se preocupar com Mbappé, ele vai fazer Mbappé se preocupar com Di Maria"


Começou o jogo e Di Maria estava na esquerda. Jogando em cima de Koundé que é zagueiro de origem, no lado onde Dembelé, diferentemente de Mbappé, sim ajudava. 

O comentarista mais metido à besta ainda deve ter mandado um "pode ser algo de momento" para não dar o braço a torcer.

Eis que Di Maria passa o jogo todo aberto pela esquerda. 
Ele sofre o pênalti porque Dembelé, que volta pra marcar, deu um totó nele ali. 
Ele marca o segundo gol fechando da esquerda para o meio. 

Tudo isso em um primeiro tempo no qual a França não apareceu para o jogo? Por quê? Ninguém sabe, mas o tuitero e o comentarista tentam:

"Time inexperiente"
"Essa França sempre pareceu um time de momentos apenas" 

Fato é que aos 40 minutos Deschamps, que é mais exaltado pela capacidade de domar o grupo francês do que pela visão de jogo e estilo marcante, decide tirar Giroud e Dembelé para colocar Thuram e Muani. 

O comentarista (eu) tenta explicar...

"Foi afobado o Deschamps"
"Vai deixar o Mbappé mais livre pelo meio,  mas não vai ter ninguém brigando lá na frente"

E apesar do esforço de treinador e analista, nada muda. Nem pra melhor, nem pra pior. A Argentina segue superior no segundo tempo. Desperdiça algumas chances, mas vai carregando o jogo à moda dela, com De Paul apitando, Romero discutindo, Messi ditando, Álvarez brigando... Nem mesmo o Mbappé ficou tão centralizado, posto que ficou para Muani depois de alguns minutos.

Aos 25 minutos o técnico da França dobra a aposta e tenta algo que o time dele nunca fez nessa Copa. Vai pro tudo ou nada no 4-2-4 com Camavinga improvisado de lateral-esquerdo, onde sofreu demais no primeiro tempo contra a Tunísia.

O comentarista (eu) fala:

"Que salada o Deschamps fez! A França vai tentar assim o empate e sem o Griezmann que é o cara da bola parada"


Eis que tudo muda. Um chutão da defesa tem Otamendi soberano na jogada, até que ele decide proteger em vez de combater. Kolo Muani pega a bola e é derrubado. Pênalti. Mbappé, completamente sumido no jogo até os 35 do segundo tempo faz o gol. 

O comentarista (eu) pensa

"É hora do Messi pegar a bola e acalmar o jogo ou tirar a Argentina de trás, tal qual ele fez contra a Austrália"
Messi de fato faz isso. Só para na sequência ser desarmado facilmente por Coman. Dele a bola vai para Rabiot inverter, Mbappé tabelar com Thuram e fazer um golaço, empatando a partida por 2 a 2. 

E a Argentina quase perde o jogo no tempo normal porque o Messi tenta três vezes resolver e perde a bola em duas. Em uma delas, no entanto, há que se dizer; o camisa 10 quase determina a vitória no tempo normal.

Como o comentarista explica tudo isso?  Que tipo de respostas há? A Argentina não deixou de fazer o que fazia bem. A França não começou a jogar muito bem a partir das mudanças. E mesmo assim o jogo estava 2 a 2 e ia para a prorrogação. 

O comentarista (aí não sou eu) já está pensando em tangos de Gardel para explicar a relação conflituosa entre sucesso e fracasso na cultura argentina e na vida de Lionel. 

O outro já pensa no texto sobre Mbappé e a passagem de bastão.

Um terceiro caminha para a sociologia e tenta explicar quase por vias biológicas que os sul-americanos têm sangue quente e os europeus sangue frio e que por isso um soube se comportar e outro não. 



Vem o terceiro gol da Argentina! Explodem bombas, Messi chora. 




O comentarista pega a caneta e começa a procurar tangos de Gardel que expliquem o amor que há pelo futebol bem jogado e pela bola, que procura o craque. 

O outro pensa em um hai-kai com os nomes dos atletas ou num poema construtivista com as letras de Pulga.

Nem dá tempo de lembrar que o Montiel errou o lançamento e que por isso a bola caiu pra tabela e gol do craque. Também não dá tempo de explicar porque o mesmo Montiel abre o braço e comete pênalti, que Mbappé marca. 

Dá sim pra rasgar o hai-kai e a análise tática para buscar outro tango, fazer uma análise psicológica sobre o descontrole do Messi e sugerir que Dibu Martínez não estudou direito o adversário. 

Enquanto fazia isso o comentarista nem viu a defesaça que o Martínez fez contra o Muani agora! Falando nisso... O Muani entrou bem ou mal no jogo? Vamos ver o que o Twitter está falando sobre.... 

Vamos aos pênaltis. O comentarista chuta quem está melhor. O outro (eu) fala que quem bate primeiro normalmente vence. 

Mbappé faz o dele e a história está escrita. 3 gols, pênalti convertido, craque da Copa, passagem de bastão.

Messi caminha pra bola e a linha está escrita. "De novo nas finais, de novo nos pênaltis, Messi... Ops! Fez o gol. Apaga!"

Coman erra o dele. Certamente porque Dibu Martínez estudou muito as cobranças.

E Dybala faz o dele rompendo o mito de que quem entra pra bater pênalti sempre perde. 

Vai Tchouamení de grande Copa e chuta fora. Vai Paredes que perdeu lugar no time pra fazer o dele. 

Agora já tá mais fácil analisar... "Tal qual um tango de Gardel..." 

E vem Montiel que foi bem e depois mal pra terminar a noite bem. 

A Argentina é campeã! 

Foi o triunfo do..... 

....

....


Planejamento?  Não, apaga isso. O cara era interino e foi ficando. 
Da frieza? De jeito nenhum.
Dos escolhidos por Deus?  Pode ser....
Do técnico moderno que se adapta? Acho que dá hein? Desde que a gente esqueça que a Argentina se perdeu de novo num jogo. 

Quer saber? É o triunfo do comentarista! Que viu tudo que os caras lá dentro não viram e muito antes inclusive!  




E com esse texto e essa foto do Lautaro erguendo a taça eu fecho e enterro a série. 

Boa noite comentaristas! Hora de discutir quem fez tudo errado e porquê! 

Parabéns à Argentina!

Obrigado futebol por ser assim! 

Nenhum comentário:

Postar um comentário