domingo, 4 de dezembro de 2022

Dudzicopa 16 - Como abrir uma defesa

O décimo quinto dia da Copa do Mundo me fez pensar em como os grandes times abrem defesas e como é difícil notar e explicar isso. 

Pensei nisso porque me parece que a chave das classificações de França e Inglaterra foi fazer o primeiro gol em um cenário complicado de marcação bem feita pelos adversários. No caso da França houve momentos do jogo distintos, ora com os franceses roubando a bola e transitando com velocidade, ora com os poloneses mais entrincheirados no próprio campo. Nesse segundo cenário é que veio o gol francês, com uma troca de passes que mexeu a defesa da Polônia para um lado e para o outro antes de ter seu momento crucial. Exponho aqui o que vi do lance: 



Aqui temos o momento chave. Sinalizei a Polônia em bloco baixo com o ponta direita Kaminski descendo para o lado de Cash. O recuo/movimento de Mbappé é o momento em que tudo muda. Nesse segundo, o Cash ali precisa decidir se mantém ou se quebra a linha para encaixar/encurtar no atacante francês. Enquanto isso Giroud já está imaginando como sair da marcação do Kiwior. Vamos então ao próximo print:



Cash decidiu encurtar, mas Mbappé achou o passe entre ele e Glik, que estava alinhado ao lateral-direito e que tentou sair também. Inútil tentativa, pois os demais colegas davam condições. Giroud tomou a frente e finalizou muito bem. 

Vejam... É um gol de gênio de Mbappé? Acho que não. É mais uma combinação com o tempo certo! Isso pode ser feito por outros times e mais vezes. Aqui houve técnica e capacidade, mas não é só aquela história de "contra defesa fechada só a qualidade individual". Não só. 

Esse gol, como dito, resolveu a partida, já que a Polônia teve que atacar e é difícil dela saber como. Por mais que o primeiro tempo tenha sido bom, a etapa complementar mostrou as limitações do time enquanto coletivo. 


*****

Vamos para o jogo da Inglaterra. Contra Senegal os ingleses estavam presos na boa marcação dos africanos quando o English Team tinha a bola no campo de defesa. De forma muito semelhante aos Estados Unidos, os senegaleses usaram os atacantes para fechar linha de passe dos zagueiros para os volantes e depois encaixaram marcação com volantes em Rice e Bellingham, laterais com pontas e pontas com laterais. Estava muito difícil de sair. Até que veio a combinação de passes por meio de uma rotação de posições. 



Shaw quer encontrar Bellingham (circulado), mas como Bellingham está marcado, Shaw aproveita a pequena brecha aberta e faz um passe para frente para Foden (linha preta). 

Na imagem abaixo podemos ver que Foden já pode dar a bola para Bellingham, mas o passe de letra é ainda melhor e encontra Kane.  


Quem estuda futebol chamaria um passe de Foden para Bellingham de "encontrar o terceiro homem". Essa expressão é usada para falar de um passe que tem como destino não aquele que recebe e sim um terceiro. No caso, como disse, Shaw quer Bellingham, mas usaria Foden como escala. 

Como o passe foi para Kane e depois para Bellingham, dá pra falar em "encontrar o quarto homem". Passe de Shaw era para Bellingham, mas teve duas escalas (Foden e depois Kane). Eu ouço pouco essa de quarto homem. Acho que poderíamos falar que a sequência meio que reseta e vira de novo terceiro homem a partir do Foden, mas enfim... Isso não é importante! O importante é a riqueza tática dessa movimentação combinada e coordenada e o que ela representa para o jogo: 



Depois disso Senegal ruiu e os ingleses ganharam merecidamente. 

Isso tudo que eu falei aqui é minha percepção como jornalista que estuda e analisa o jogo. Posso ter cometido erros ou exagerado nos termos... Sempre estou no limbo entre ignorância e arrogância quando falo de futebol, pois sei mais que o torcedor comum, mas menos do que quem trabalha com o esporte de alto nível. Esses pensamentos sobre comunicação e o jogo estão sempre na minha cabeça.

Todos concordamos que o jogo está cada vez mais estudado e que há padrões e jogadas que os times ensaiam, treinam e colocam em prática. A complexidade e a maneira como isso é feito e atingido, no entanto, muitas vezes tornam esse conteúdo fechado para o jornalista ou distante da compreensão do profissional de comunicação. 

E enquanto isso a maior parte do público e das emissoras quer cada vez mais o simples e o simplório, levando a um ciclo de retroalimentação e desconexão. 

Ora, se os times jogam de forma cada vez mais complexa e a comunicação sobre isso é cada vez mais simplória, então estão cada vez mais distantes os que jogam, dos que analisam e dos que assistem... 

Talvez deva ser assim mesmo... 

Mas olhem a riqueza que perdemos! 






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