sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Um diagnóstico sobre o São Paulo 2016

A derrota do São Paulo para o The Strongest no Pacaembu gerou grande debate pelas proporções do fracasso. Afinal de contas o time boliviano nunca havia vencido um brasileiro em território nacional e não triunfava fora de casa desde 1982. Acho válido o alarde, mas não o alarme em relação ao tricolor paulista.

Até aqui Edgardo Bauza só comandou o time em seis partidas oficiais com duas vitórias, dois empates e duas derrotas. É pouco tempo de trabalho e poucos jogos e situações. Podemos depreender do discurso da diretoria e das atividades e falas de Bauza que a ideia é reorganizar o time depois da equipe desorganizada de Muricy Ramalho, inconsequente de Osorio e bagunçada de Doriva e Milton Cruz. Por enquanto é possível dizer que essa parte tem sido até que bem feita...

É verdade que o São Paulo levou cinco gols em seis jogos, mas é necessário notar como eles surgiram:


Red Bull: Pênalti cometido por Lucão
U. César Vallejo: Um chute espetacular de Hohberg de rara felicidade
Corinthians: Erro absurdo de Lucão e erro na bola parada
The Strongest: Erro na bola parada

Exceção feita ao tirambaço de Hohberg, nenhum dos gols veio de desorganização defensiva do São Paulo e a bola parada é algo que normalmente demora um pouco mais pra ser afinado. Só que essa organização lá atrás tem um preço enquanto o entrosamento e entendimento não vem: time preso, sem a fluidez necessária entre os movimentos de defesa, transição defesa-ataque, construção e transição ataque-defesa.

No início do ano o São Paulo tem atuado no 4-2-3-1:



Normalmente equipes que atuam no 4-2-3-1 colocam ênfase na capacidade de os ponteiros acharem espaço e nas subidas do meia central e de um dos volantes para suportar e servir o único atacante. Os pontas muitas vezes tem pés trocados para cortar para o meio e bater, mas mesmo assim as possibilidades desse esquema tem sido cada vez mais limitadas pois o meia central fica encaixotado entre as duas linhas de quatro que quase todas as equipes fazem na fase defensiva, enquanto o centroavante tem que se bater com dois zagueiros. Não à toa, muitos times europeus tem abandonado esse esquema em prol do 4-3-3, do 4-4-2 e do 4-1-4-1, no qual o meia central recua e tem mais espaço para carregar a bola e não ser tão previsível.

Além de os jogadores ainda estarem um pouco parados demais nas posições pré-determinadas, o 4-2-3-1 de Bauza tem ainda o agravante de colocar ponteiros com pés "corretos". Centurión destro joga na direita e Michel, canhoto, na esquerda, induzindo o time a explorar demais as jogadas de cruzamento na área. Olhando os números do Footstats isso fica claro:

São Paulo x Red Bull: 11 cruzamentos (2 certos e 9 errados) 
São Paulo x U. César Vallejo: 31 cruzamentos (5 certos e 26 errados)
São Paulo x Água Santa: 32 cruzamentos (10 certos e 22 errados)
São Paulo x U.César Vallejo: 25 cruzamentos (3 certos e 22 errados)
São Paulo x Corinthians: 36 cruzamentos (6 certos e 30 errados)
São Paulo x The Strongest: 40 cruzamentos (7 certos e 33 errados) 


Mas temos que lembrar também como foram feitos os gols do São Paulo na temporada.

São Paulo x Red Bull: Ganso após cobrança de escanteio
São Paulo x César Vallejo: Lançamento da defesa para Calleri em profundidade
São Paulo x Água Santa: Cruzamentos de Wilder e Caramelo para Calleri, cruzamento errado de Caramelo para Thiago Mendes e Michel Bastos após inversão de jogo.
São Paulo x César Vallejo: Cobrança de escanteio que sobra pra Rogério

Muitos de cruzamentos e bola parada. A bem da verdade não há nada errado com os cruzamentos, mas há formas e formas de fazê-lo. A questão é que o São Paulo muitas vezes cruza lentamente, muito alto ou sem opções suficientes na área, facilitando o trabalho defensivo. Contra o Água Santa o time criou triângulos pelos lados do campo, com lateral entrando pro meio, meia central abrindo ou ponteiro caindo pro centro e meio campistas chegando com a bola. É o que eu imagino que o Bauza queira para poder não depender apenas dos cruzamentos, ou permitir que eles sejam feitos de uma forma mais perigosa:

(Hudson com a bola tem Wilder aberto e Caramelo centralizado. No cruzamento do colombiano, sem marcação pela movimentação de Caramelo, Calleri fez o 1 a 0)

Outro exemplo no primeiro tempo contra o The Strongest:


(Ganso recua e sai da posição centralizada para a direta, achando Centurión que poderia passar pra Bruno, mas que chega com a bola e exige boa defesa de Vaca)

E evidentemente nem toda a jogada precisa ser de cruzamento, mas pelo esquema tático e ideias de Bauza tem que ser construída pelo lado. Esse outro lance contra o The Strongest mostra isso:

(Ganso se mexe pra direita e enfia a bola no espaço para Kardec, recuando e servindo Thiago Mendes)

Movimentação de Ganso (algo que eu critico muito) é essencial pra engrenagem do São Paulo funcionar e é algo que nem ele, nem o time fizeram no segundo tempo do confronto contra os bolivianos. Muito por causa do estático 4-2-4 no qual Bauza apostou. Sobre isso aliás, temos que tentar entender: Contra um monte de zagueiros nem tão altos assim e com um time com dois bons cabeceadores como Calleri e Kardec a ideia era justamente cruzar, mas isso acabou com a movimentação do time. Resultado: São Paulo estático e com quatro homens bem marcados.


(Ganso escondido atrás do marcador, quatro atacantes marcados de perto e Mena abertão... Thiago Mendes arriscou e errou) 


Foi a pior etapa sob o comando de Bauza, mas não vejo motivo para a crise monumental que muitos vendem. Creio que faz parte do início do trabalho. Bauza quis acertar antes a defesa e essa tem funcionado a contento. Passará agora a trabalhar o ataque e as movimentações ofensivas. O time é feito para cruzar bola na área, mas também é feito para que os meias aproveitem a construção de jogada pelo lado para explorar o espaço aberto.

Nesse sentido Paulo Henrique Ganso tem que parar de achar que é um quarterback (com passes longos, arriscados e precisos) e virar um ditador de ritmo, fazendo tabelas curtas, rápidas e se movimentando no espaço mesmo que não seja para receber a bola.

Nesse sentido Michel Bastos tem que centralizar o jogo quando surgir a oportunidade e não sempre correr para a linha de fundo. Fosse esse o único intuito o ex-Lyon não deveria sequer ser titular, posto que para romper defesas há jogadores de mais capacidade como Kelvin e Rogério. A ideia de Bauza é que Michel centralize quando houver a chance para trabalhar junto com Ganso e abrir o corredor para Mena. Michel não tem feito isso.

Nesse sentido Thiago Mendes tem que se projetar como atleta rompedor de linhas (a la Paulinho no Corinthians, que arrastava o time à frente como dizia o querido Mário Marra) e não apenas ser uma opção de passe.

Nesse sentido Kardec e Calleri tem que girar dentro da área para achar espaço e também oferecer opção de passe para criar jogadas.

Nesse sentido Centurión tem que parar de se afobar e jogar com um pouco mais de inteligência...

Uma última ponderação que acho válida sobre os desempenhos do São Paulo até aqui. É necessário também abordar o lado psicológico e de preparação mental. Eu percebi uma equipe extremamente nervosa e frustrada quando as coisas não dão certo.

Na minha modesta impressão vi isso quando o time tomou o empate do Red Bull (muitos atletas foram pra frente de qualquer jeito e quase o time de Campinas virou), no persistente 0 a 0 com a Universidad César Vallejo (quando atletas impulsionados pela torcida perderam a paciência para criar jogadas), na derrota para o Corinthians (quando os são-paulinos perderam o chão após a falha de Lucão - e a própria falha na verdade é um atestado de comprometimento emocional) e na derrota para o The Strongest (com o nervosismo e frustração gerando a patética atuação do segundo tempo).

Mais um aspecto que Bauza tem pra trabalhar. Eu acho que vai dar certo, mas é necessário tempo para desfazer o imobilismo de 2014 e a salada de 2015.

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